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Multiparentalidade: mais de um pai e/ou mais de uma mãe?

coluna marcela morales
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O direito não pode fechar os olhos para os fatos sociais. A sociedade evolui e novas formas de família surgem. O sistema jurídico de maternidade e de paternidade foi revolucionado com o julgamento proferido no recurso extraordinário 898.060, que tramitou perante o Supremo Tribunal Federal – este que, após declaração de repercussão geral (nº 622), possibilitou a coexistência da paternidade/maternidade biológica e afetiva, sem hierarquia ou diferença de qualidade jurídica.

Esclareço. A partir de referido julgamento, a multiparentalidade (a possibilidade de uma pessoa ser registrada em nome de mais de um pai e/ou de mais de uma mãe) passou a integrar o rol de possibilidade de um núcleo familiar, daí decorrendo todos os efeitos da relação de filiação, efeitos estes patrimoniais e extrapatrimoniais. Mais do que nunca, o afeto, que é o elemento base e formador da família, tornou-se definitivamente parâmetro para que sejam definidos os vínculos de parentalidade. A maternidade ou paternidade biológica e afetiva, portanto, podem ser reconhecidas conjuntamente, sem que uma exclua a outra. Não mais será preciso questionar quem são os pais, se aqueles que conceberam ou se aqueles que criaram o filho, desde que o reconhecimento dos múltiplos vínculos seja melhor para a prole. E, quando se diz que a multiparentalidade gera todos os efeitos jurídicos de uma filiação, tal implica em direito de alimentos recíprocos entre filhos e pais multiparentais, assim como direitos sucessórios entre eles.

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Paralelamente, vivenciamos atualmente no Direito Privado o chamado movimento de extrajudicialização das demandas de família, pelo que, no que tange ao assunto ora abordado, foi editado pelo Conselho Nacional de Justiça o Provimento 63/17, que permitiu o reconhecimento da multiparentalidade extrajudicial (ou seja, em cartório). Em 2019, o texto desse provimento foi alterado pelo Provimento 83 e, sob a minha ótica, consideravelmente melhorado, haja vista que passou a exigir a atuação do Ministério Público no procedimento e limitou o reconhecimento às pessoas maiores de 12 anos (além de outros requisitos objetivos constantes dos provimentos).

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A multiparentalidade existe no campo fático e deve ser reconhecida pelo direito: não se pode fechar os olhos para a realidade; o princípio da pluralidade de famílias demonstra que não há um conceito único e fechado de família, inexistindo hierarquia entre família biológica e afetiva. Entretanto, devemos ter certos cuidados. A maternidade e a paternidade devem ser exercidas de modo intenso, com verdadeiro laço de afeto e funcionalidade, não se podendo conceber um reconhecimento dessa magnitude por mero impulso. Lado outro, o reconhecimento extrajudicial deve ser extremamente ponderado: a uma para não se extrapolar os limites regulamentadores do Conselho Nacional de Justiça em relação à atuação do Poder Judiciário e quanto aos atos praticados por seus órgãos, como acontece com as serventias extrajudiciais; a duas para que não sejam feridos os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal; e, finalmente, pelo fato de que a falta de um verdadeiro estudo social que comprove as relações afetivas pode acarretar o reconhecimento por impulso a gerar, no futuro, eventual pedido de revogação, o que deve ser coibido.

Em conclusão: o acúmulo de filiações deve existir apenas se a verdade biológica e a verdade social (afetiva) efetivamente coexistirem, com verdadeiros laços afetivos, para que a pretensão não tenha, inclusive, fins meramente patrimoniais.

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