Publicada no dia 16 de outubro de 2022, minha coluna intitulada “Regime de bens dos septuagenários” terminava com as seguintes palavras: “A discussão sobre a constitucionalidade do regime de bens imposto aos septuagenários tardou, mas finalmente temos a oportunidade de corrigir um erro. Aguardando ansiosamente a decisão a ser proferida no tema 1.236 do Supremo Tribunal Federal e que seja de forma a estar conectada com os princípios constitucionais que lastreiam o Direito de Família e a formação da entidade familiar: dignidade, liberdade, autonomia e afeto”.
Demorou, mas a espera finalmente acabou. No dia 01 de fevereiro de 2024 o Supremo Tribunal Federal proferiu a tão aguardada decisão.
(Recapitulando, o que estava em discussão era uma questão debatida pelos juristas há décadas: a constitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil brasileiro, que estabelece a incidência obrigatória do regime da separação total de bens nos casamentos contraídos por pessoas que tenham, na data da habilitação, mais de setenta anos de idade. Seria essa incidência justificável por uma presumida vulnerabilidade da pessoa idosa? Ou, por violar os direitos de liberdade e de autodeterminação, essa incidência se mostra incompatível com os valores e princípios expressos pela Constituição Federal?)
De forma unânime, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do referido artigo. Ou seja: a separação total de bens deixa de ser o regime obrigatório para se tornar uma opção dentre os regimes de bens previstos pela legislação brasileira.
Para o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, a obrigatoriedade prevista no artigo 1.641, II, do Código Civil é incompatível com a Constituição Federal por dois motivos: primeiro, por estabelecer uma discriminação injustificada com base na idade de uma pessoa; segundo, por violar a dignidade da pessoa (acima de setenta anos), que se via impedida de decidir sobre o futuro e a destinação dos seus bens. Como escrevi na minha coluna anterior sobre o tema: “A trajetória de existência a ser traçada por uma pessoa é sua exclusiva decisão, sendo inerente à sua dignidade, pelo que apenas deve sofrer intervenção do Estado se estiver presente a incapacidade”.
Como irá funcionar a partir de agora? Nos novos casamentos e uniões estáveis com pessoa maior de setenta anos, a regra da separação total de bens continuará sendo o regime “padrão”, a ser selecionado caso não seja feita a escolha de outro regime de bens. Mas, se o casal estiver de acordo, outro regime pode ser estabelecido – para tanto, essa vontade deve ser formalizada por meio de escritura pública, firmada em cartório.
E no caso de casamentos e uniões estáveis anteriores à decisão? Nesse caso é possível alterar o regime de bens? Caso seja a vontade do casal, sim. Mas tal mudança deve ser formalizada. Em se tratando de casamento, é necessária uma autorização judicial; na união estável, manifestação em escritura pública.
Ao respeitar o direito de escolha das pessoas idosas, o Supremo Tribunal Federal começa o ano com uma ótima decisão.