Imagine a seguinte situação hipotética. Um casal decide se divorciar. Eles não têm filhos, mas possuem um cachorro que amam como se fosse um. O casal entra em acordo com relação à partilha dos bens – mas há uma questão que impede o divórcio de ser consensual: ambos querem ficar com o cachorro. Pergunta: no processo de divórcio, a discussão relativa ao cachorro deve ser tratada no âmbito da partilha de bens, junto com a divisão da casa e dos demais bens, ou eles deverão discutir o direito de guarda? A resposta para essa pergunta é, ao mesmo tempo, fácil e difícil.
Fácil porque, segundo a legislação brasileira, os animais são coisas. É o que estabelece o Código Civil vigente ao dispor, no art. 82, que “são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômica-social”. Juridicamente falando, coisas são objetos materiais e concretos, como uma rocha ou um skate. Logo, a partir de uma leitura puramente literal do dispositivo, a resposta para a pergunta acima deveria ser: a discussão sobre o cachorro deve ocorrer no âmbito da partilha de bens, junto com a divisão da casa e dos demais bens.
Difícil porque, felizmente, o direito não é estático e imutável. Ele está em constante mudança e evolução. E se há um debate que ganhou enorme proporção nos últimos anos e que promete uma revolução no direito é o referente aos direitos dos animais.
A luta pelos direitos dos animais possui várias frentes. E uma delas é jurídica. Nesta, vários juristas defendem que os animais não devem ser mais entendidos como coisas, mas como sujeitos de direito. Vários projetos de lei tramitam em ambas as casas do Congresso Nacional, propondo a alteração do status legal dos animais – mas até o momento da publicação dessa matéria, nenhum desses projetos foi aprovado.
Nesse sentido, a resposta para a pergunta feita inicialmente pode ser fácil ou difícil, a depender da forma como você entende o direito e o seu papel perante a sociedade. Se você entende que o direito deve se ater à literalidade da previsão legal, então os animais são coisas. Mas, se você entende que o direito precisa se adaptar aos novos anseios sociais, então os animais devem ser enxergados sob um novo prisma.
Filio-me ao segundo entendimento. Como consignou o Ministro Salamão, do STJ, ao julgar recurso especial que discutia direito de visitas ao animal de estimação de um determinado ex-casal*, “os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada”.
Ou seja, a discussão deixou de ser simplista. O ordenamento jurídico não aponta resolução adequada para a discussão, sendo necessário um novo olhar e uma nova interpretação, diante da natureza especial dos animais de estimação. Porém, entendo que não se pode falar em guarda e alimentos para os pets, pois são institutos atinentes ao poder familiar (relação de filiação humana). À situação em voga pode (e deve) ser fixada a custódia do animal, ou seja, quem terá sua companhia física (com período dividido entre o ex-casal), bem como a divisão de despesas de manutenção, afinal, na relação do humano com o animal existe afeto, tratamento como membro da família!
*REsp 1713167-SP, julgado em 19/06/2018