Oi, gente.
Chegou a hora de encerramos a nossa série de álbuns que marcaram o ano de 1990, e infelizmente muita coisa boa terá que ficar de fora. São apenas 20 álbuns na lista, e com certeza todos os meus 18 leitores vão reclamar que faltou um ou outro, mas assim é a vida.
Para dar um fim à edição 2020, selecionamos os trabalhos de Slayer, Public Enemy, Dead Can Dance, Jane’s Addiction e Cocteau Twins. Porém, 1990 foi o ano em que ainda tivemos grandes álbuns de AC/DC, INXS, Iggy Pop, Anthrax, Fernanda Abreu, Flaming Lips, Steve Vai, Alice in Chains, The Charlatans, Pet Shop Boys, Judas Priest, Sinéad O’Connor, Pantera, Fugazi, Danzig, Mother Love Bone, Army of Lovers (ouçam!), Sisters of Mercy, LL Cool J, Mark Lanegan, Nick Cave and The Bad Seeds, Paul Simon, Run-DMC, The Sundays, ZZ Top…
É uma lista que quase não tem fim, mas entre questões de relevância, ápice da carreira e gosto pessoal, temos que fazer sacrifícios.
E se já foi difícil fazer a seleção da Turma de 1990, imagine quando chegarmos a 1991, que para mim é tão abençoado quando aquele 1967 que teve The Doors, Beatles, Leonard Cohen, Cream, Velvet Underground, The Who, Rolling Stones, Pink Floyd, Jimi Hendrix e tantos outros. Pois o primeiro ano da década de 90 ofereceu à humanidade Nirvana, U2, R.E.M., My Bloody Valentine, Smashing Pumpkins, Metallica, Pearl Jam, Sepultura, Primal Scream, Blur, Massive Attack, Teenage Fanclub (de novo), Lenny Kravitz, Ice-T, Motörhead…
Porém, como diria aquele velhote nos filmes do Conan: “mas essa é outra história”.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
SLAYER, “Season in the abyss”
Não lembro o que veio primeiro: o videoclipe de “War ensemble” ou “Season in the abyss” ou a audição completa do quinto álbum do Slayer na casa de um amigo headbanger da época, o João Carlos (que era tão preguiçoso que deixou o congelador da geladeira ficar com tanto gelo que uma garrafa ficou presa por lá). Certo foi que bastou conhecer o quarteto californiano de thrash metal para pensar “cara**, isso é muito f**!”. Logo arrumei uma fita para gravar o disco, assim como posteriormente com o registro ao vivo “Decade of agression”, e tenho o Slayer até hoje como a minha banda preferida de metal.
(Pena que o Tom Araya, atualmente, tenha se mostrado um conservador republicano que apoia do velho cor de laranja maluco negacionista e de topete, praticamente um Roger Moreira do metal, mas enfim).
“Season in the abyss” coloca nas devidas doses a porradaria, cadência e solos virtuosos e em velocidade de dobra dos quatro álbuns anteriores, que costumavam pesar a mão em certas particularidades sonorosas. Além disso, deixa em segundo plano aqueles lances de satanismo e afins para falar de temas mais pertinentes à realidade, como guerra, violência urbana, assassinatos, serial killers.
Além da faixa-título, “Season in the abyss” tem clássicos como “Dead skin mask”, War ensemble”, “Expendable youth”, “Skeletons of society” e outras pancadas sonoras que dão vontade de bater cabeça até entre os velhos headbangers artríticos.
DEAD CAN DANCE, “Aion”
De todos os álbuns da série, o quinto disco do Dead Can Dance com certeza é aquele totalmente fora da curva se pensarmos em termos de pop, rock, música eletrônica, hip-hop, metal, rap e outros gêneros musicais. A dupla formada pela australiana Lisa Gerrard e o inglês Brendan Perry até coloca um dos quatro pés no rock em vários momentos da carreira, mas a discografia do DCD sempre mergulhou profundamente nos mais variados estilos, indo da música medieval ao folk gaélico, passando pela música africana, canto gregoriano, música oriental etc.
No caso de “Aion”, as mais fortes influências vêm da Idade Média e do Renascentismo, misturadas ao subgênero do subgênero neoclassical dark wave (difícil de explicar, procure lá na internet). Além da capa trazer um trecho do quadro “O Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymus Bosch, o álbum tem a instrumental “Saltarello”, peça musical italiana do século XIV; “Fortune presentes gifts not according to the book”, com letra do poeta espanhol Luis de Góngora, do século XVII; “e The song of the Sibyl”, uma balada catalã do século XVI. Mas podemos destacar também músicas como “Black Sun” e “As the bell rings the Maypole Spins”, em mais um belo trabalho que só poderia ter saído pela lendária gravadora inglesa 4AD.
PUBLIC ENEMY, “Fear of a Black planet”
Na coluna anterior, ao relembrarmos o álbum de estreia do A Tribe Called Quest, comentamos que o Public Enemy era a voz da revolta. E é o que podemos confirmar ao ouvir “Fear of a black planet”, terceiro trabalho de estúdio do grupo criado por Chuck D e Flavor Flav, considerado até hoje um dos clássicos do hip-hop graças às suas letras contundentes, samples e batidas matadoras.
“Fear of Black planet” trazia críticas ao racismo institucional, supremacia branca, às elites – em especial à elite branca, que teria “medo” de negros -, relações raciais e crônicas sobre o cotidiano da população negra, feminismo e a dominação cultural branca, além de clamar à população afro-americana que se levantasse contra o status quo. Porém, não era um chamado à violência, e sim a usar a inteligência para derrotar o inimigo. Ou seja, nada de drogas na cabeça e “trezoitões” na mão típicos do gangsta rap.
Dentre os clássicos de “Fear of Black planet”, temos a sempre atual “911 is a joke”, além de “Fight the power”, “Welcome to the Terrordrome”, “Burn Hollywood burn” e “Revolutionary generation”, entre tantas outras que deixaram seu legado na história do hip-hop.
JANE’S ADDICTION, “Ritual de lo habitual”
Mais um grupo que podemos agradecer pela existência da MTV, que teve seus 30 anos de chegada ao Brasil comemorados na terça-feira (20). “Been caught stealing” foi um dos videoclipes mais legais que foram exibidos pela emissora na época, e ajudou toda uma geração a conhecer a banda de Perry Farrell, Dave Navarro & Cia.
O grupo já havia lançado um ótimo álbum de estreia em 1988, relembrado em nossa primeira série de discos clássicos, mas foi “Ritual de lo habitual” que conquistou corações e mentes por aqui com sua fusão de rock, metal, funk, psicodelia, com destaque para as guitarras de Dave Navarro – que posteriormente integrou o Red Hot Chilli Peppers por um breve período.
A despeito da capa polêmica e do bom humor de “Been caught stealing”, “Ritual de lo habitual” trazia faixas com temas sobre momentos trágicos na vida de Perry Farrell. “Three days” lembra a namorada do vocalista, Xiola Blue, que morreu de overdose de heroína, enquanto “Then she did…” é sobre sua mãe, que cometeu suicídio quando Perry tinha apenas quatro anos de idade.
Além das músicas já citadas, faixas como “Ain’t no right”, “No one leaving” e “Stop” fazem de “Ritual de lo habitual” um álbum que ainda mercê estar em nossa playlist.
COCTEAU TWINS, “Heaven or Las Vegas”
Há uma baciada de artistas cuja sonoridade poderiam definir os anos 80, como The Cure, The Smiths, Depeche Mode, Pet Shop Boys, Duran Duran. Por uma das injustiças do destino, o Cocteau Twins não costuma estar nas listas dessas pessoas ruis. Pior para elas, que desconhecem um trabalho do nível de “Heaven or Las Vegas”, favorito de muitos fãs quando o assunto é a discografia do trio escocês, considerado um dos alicerces do que rotulamos como dream pop (vai lá no Google de novo pesquisar, amizade).
O álbum é marcado por uma beleza única, ainda mais pela ironia de que trazia seus integrantes em momentos distintos. Elizabeth Fraser e Robin Guthrie celebravam o nascimento da filha, apesar do casamento entre ambos já estar complicado, enquanto Simon Raymonde sofreu com a morte do pai durante as gravações de “Heaven or Las Vegas”.
O resultado de sentimentos tão distintos são belezas únicas como “Iceblink luck”, a faixa-título, “Frou-frou foxes in midsummer fires”, “Pitch the baby” e “Cherry-coloured funk”, que se tornam ainda mais sublimes graças aos vocais de Liz Fraser, a quem chegaram a eleger como “a voz de Deus”.
Que tal ouvir para crer?