Tempo, bem mais precioso da contemporaneidade, um valioso capital, humano. Curiosamente corremos contra ele, ao invés de tê-lo como nosso aliado na vida. Nessa era da produtividade (teoria de Alvin Toffler sobre as ondas de mudança) o tempo não é mais amigo, ele é o vilão de rouba energia, desgasta relações, desamarra laços, acumula tarefas,gera transtornos psíquicos,nos faz correr e correr sem, muitas vezes, sabermos o porquê; é autor responsável e justificável de nossas ausências com a família, do não cumprimento de metas ou propósitos, da falta de atenção e da terceirização dos cuidados com os filhos,causa tão cara.
Deixamos para traz velhos hábitos como o de olhar no olho, sentar e sentir e ouvir as emoções das conquistas, das dúvidas e dos fracassos do outro, o ensinar com palavras e com o exemplo – maior ensinamento- o esperar com paciência inteligente o tempo do entendimento aflorar sem desistir no meio do caminho, o tocar a alma,unir nossas almas, acompanhar processos… Hoje meros e longínquos “sonhos de consumo”.
Crianças e jovens são os expectadores mais afetados com essa modernidade líquida (teoria de ZygmuntBauman) que torna normal para a época o que nem sempre é normal para a vida, como ensina González Pecotche.
Dominar o tempo é um desejo e uma conquista que precisa tornar-se realidade, principalmente quando convivemos com um portador do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade -TDAH- ,um transtorno neurobiológico que gera pequenas alterações na região frontal do cérebro. Sua etiologia tem forte influência genética e é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno que aparece na infância e costuma acompanhar o indivíduo por toda a sua vida, com graus variáveis de desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Os portadores de TDAH têm, em geral, uma percepção do tempo diferenciada, baixo desempenho escolar, história de repetência(s), manifestam falta de habilidade no trato social e nas noções de limite, problemas na organização da sua rotina, agitação, dificuldade de terminar tarefas que foram iniciadas minutos atrás, (…) precisando de um ambiente externo seguro, disciplinado e tolerante para favorecer o ordenamento interno, da sua mente.Tolerância, virtude de grande relevância e que precisa ser cultivada por aqueles que convivem com portadores de TDAH: a tolerância gera compreensão e paciência inteligente porque vem acompanhada do conhecimento e respeito acerca do transtorno e do seu portador.
O conhecimento é o maior capital que possuímos e sua acumulação deve servir aos altos fins da convivência.O conhecimento existe para ser integrado, situado, transformado, aplicado, incorporado, encontrado em sua verdadeira missão que é a de provocar encontros e mudanças.
Porém, o conhecimento sem o auxílio do afeto, se torna frio e insensível, já que o saber estimula a inteligência, mas é o afeto quem mantém vivo o entusiasmo, sustenta os propósitos que a mente faz, e serve como poderoso auxiliar da razão, como ensina o educador argentino Gonzalez Pecotche. A sensibilidade nos faz solidários à dor e à necessidade alheias, fazendo surgir a nossa verdadeira condição de seres humanos.
Cada sujeito portador do TDAH precisa conhecer e entender de si mesmo; merece um esclarecimento e desmistificação de tantas crenças colocadas sobre seus ombros. Precisam identificar, principalmente, seus pontos fortes,sua inteligência, seus talentos, a bela capacidade de percepção holística que, muitas vezes, os tornam muito mais capazes pela facilidade de captar, mesmo que superficialmente, conteúdos, sensações ou ideias. Precisam, também, de um diagnóstico correto e um tratamento adequado, o envolvimento e a decisão por parte dos pais, em iniciarem um trabalho em si mesmos concomitante ao acompanhamento multidisciplinar do filho.
Quantos chegam ao meu consultório psicopedagógico com a sensação de estarem perdidos, carregados de impressões negativas e rótulos formados ao longo da história de suas vidas…
Quantos pais e professores, na ausência de conhecimentos acerca das manifestações “impróprias e descolocadas “dos filhos\alunos, utilizam de duros castigos e severas palavras que penetram na alma, potencializando uma baixa autoestima…
Todos somos educadores, ensinantes, aprendentes e fazedores, do bem ou do mal, da esperança ou da descrença, da possibilidade ou da negação .
Apesar de o TDAH ser um transtorno mental crônico, multifatorial, de saúde pública, capaz de causar um grande impacto nas relações e no desempenho escolares, temos o caminho da inclusão: movimento social capaz de modificar estruturas e serviços oferecidos, abrindo espaços de visibilidade do potencial e expressão da individualidade, das habilidades, de outras inteligências e aptidões, das diferenças. Inclusão significa, também, reeducação, para o entendimento e compreensão, para a aprendizagem e para a instrumentalização, para o olhar sobre tudo, começando por si mesmo,convidando ao respeito, à valorização e dever de cada um.
A inclusão tem sido matéria de domínio das políticas públicas e das instituições de ensino que buscam o atendimento de padrões de acessibilidade e cidadania, mas é preciso incluir nessa lista de responsabilidade a família – que partícipe deste movimento complexus, é a peça mais importante – e a equipe multidisciplinar – médicos , psicopedagogos, psicólogos- numa grande tessitura. Resultados significativos encontramos através da Reabilitação Cognitiva pelo método PEI- Programa de Enriquecimento Instrumental- do qual falaremos no próximo artigo.
O mundo atual tem vivido uma expressiva síndrome da urgência; ela tem devorado nosso tempo e nossas mais nobres aspirações,vem corroendo o caráter com a construção de uma narrativa pouco coerente e nada profunda, além de potencializar, de múltiplas formas, a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade.Está em nossas mãos a mudança do curso dessa história.
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V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
Maio de 2018
Inscrições abertas pelo site www.siecjuizdefora.com.br.