Lutador da região supera tentativa de homicídio e é campeão mundial de boxe
Daniel Dhonata, de 25 anos, conquistou, em setembro, o cinturão em Buenos Aires
Um vitorioso dentro e fora dos ringues. Essa frase resume a vida de Daniel Dhonata, lutador de artes marciais natural de Maricá, no Rio de Janeiro, mas radicado em Barbacena, município a cem quilômetros de Juiz de Fora. O lutador de 25 anos teve de superar diversos dramas pessoais para conseguir, em setembro, ser campeão mundial de boxe na Argentina. Em entrevista à Tribuna, Daniel conta como o esporte tem função fundamental em sua vida, além de revelar planos para o futuro.
A primeira experiência de Daniel na luta aconteceu por questões de saúde. Com apenas 4 anos, foi diagnosticado com anemia falciforme e começou no judô para ajudar a melhorar a qualidade de vida. Aos 12, passou a praticar muay thai e jiu-jitsu, quando se mudou para o Morro do Dezoito, no Rio de Janeiro (RJ). “A luta em si me trazia aquele autocontrole, é aquilo que eu tinha para fugir da comunidade, de ter algo tranquilo em mente. Por outro lado, era uma autodefesa, uma maneira de me defender daquele grupo ali onde eu convivia”, explica Dhonata.
Com cerca de um mês de treinamentos, Daniel participou e venceu o seu primeiro campeonato de jiu-jitsu. Porém, pouco tempo depois, enquanto jogava futebol na escola, ele acabou quebrando o braço. “Meu antebraço se partiu ao meio. Foi um grande susto à época. Quando cheguei ao hospital, estava com a camisa da academia e o médico falou assim: ‘Você luta?’. Respondi que sim, e ele me disse que teria que ficar de um a dois anos sem praticar nada. Nem achei tão ruim, pois pensei que um ano passa rápido. Logo depois, o médico falou para procurar outra profissão, porque não poderia mais lutar. Aquilo, pra mim, foi um baque. Por mais que eu estivesse há pouco tempo lutando, já sonhava com aquilo”, relata Daniel.
Após o acidente, Daniel também foi proibido de lutar por sua mãe. Mas o então adolescente optou por contrariar as opiniões médicas e familiares para seguir no esporte. “Fiquei cerca de 15 dias parado em casa e tirei os pontos. Logo depois, fui em uma academia, e voltei para o jiu-jitsu. A princípio, eu ia escondido da minha mãe. Só falei pra ela quando ia fazer a minha primeira luta. Já tinha cerca de dois meses de treinos. Foi bem difícil essa aceitação”, conta.
Com 15 anos, Daniel se tornou pai e, num primeiro momento, largou os treinos pela necessidade de trabalhar. Porém, o desejo de lutar falou mais alto, e o jovem alternou entre a escola e o tatame à noite. “As professoras me davam aula desde o primário, eram minhas conhecidas, então peguei uma certa amizade com elas e ficava pedindo para me liberarem para poder treinar”, detalha o lutador.
Apesar da paixão pela luta, Daniel abandonou o esporte quando sua mãe e seu avô faleceram. Sem ter para onde ir, passou a morar em uma academia em Barbacena, onde voltou a treinar e, finalmente, pôde se reencontrar com aquilo que ele fazia de melhor. Dhonata venceu uma luta em Belo Horizonte e viu novas oportunidades aparecerem. Porém, em janeiro deste ano, o lutador foi vítima de uma tentativa de homicídio, o que interrompeu seus planos no esporte.
“Quando cheguei no hospital, eu tive sepse, convulsionei, tive parada cardíaca. Ali pensei que fosse morrer. Fiquei 15 dias internado, fiz a cirurgia e, assim que saí, peguei dengue também, fiquei muito mal em casa, mas foi por pouco tempo”, descreve Daniel.
“A luta é o onde me sinto acolhido”
Apesar de todos os problemas que enfrentou durante a vida, Daniel sempre tentava, de alguma maneira, seguir no mundo da luta. Para o atleta, as artes marciais foram sua salvação. “Costumo dizer que a luta me rendeu frutos que outros trabalhos talvez não teriam trazido. Por exemplo, eu trabalho com o projeto social, e graças a ele vou em academias, em comunidades. Quando chego lá, vejo aquela criança que fui um tempo atrás. (As crianças) falam que quando crescer vão ser igual a mim, que estão querendo lutar também”, afirma.
“Na luta eu não me sentia diferente da galera que estava ali treinando comigo. Tinha gente que treinava lá que era advogado, por exemplo, e eu morava em cima do morro, na última casa. Mas dentro do treino a gente era igual, não tinha essa diferença”, complementa Daniel, destacando o papel acolhedor que a luta exerce em sua vida.
Recomeço no boxe
Enquanto se recuperava do atropelamento que sofreu, Daniel voltou aos treinamentos. Sem poder praticar lutas que causavam impacto nas pernas, como o muay thai, por ainda não estar totalmente curado, Dhonata encontrou no boxe um novo recomeço. Depois de se destacar na nova modalidade, o fluminense radicado em Barbacena passou a treinar com Sergipe, pai de Bia Ferreira, medalhista nas Olimpíadas de Tóquio 2020 e Paris 2024.
“É uma oportunidade e acaba sendo única, até porque é um cara muito humilde, com muito conhecimento. Logo de cara, ele já estava pensando que, no ano que vem, eu deveria participar da seletiva da seleção olímpica de boxe. É um cara que me ajudou muito na parte técnica. Foi uma oportunidade única, um momento muito bom da minha vida, afirma Daniel.
Do Morro do Dezoito ao título mundial
No dia 21 de setembro, Daniel se consagrou campeão mundial de boxe na categoria olímpica para atletas com até 76 kg. A competição aconteceu em Buenos Aires e foi organizada pela União Internacional de Artistas Marciais (Uiama). Dhonata, que ainda está passando por fisioterapia, relembra tudo o que abriu mão para conquistar o cinturão.
“Abri mão da minha filha, abri mão de passar um tempo com minha mãe, com meu avô. morei em uma academia, dormi no chão, comi o que tinha, quando tinha, e hoje posso soltar o grito de campeão mundial. Para mim foi o sonho de criança realizado. Um menino que veio lá de Água Santa, morava na última casa do morro, acordava com polícia, com bandido, e poder estar em outro país mostrando seu trabalho, é um sonho muito lindo”, celebra o boxeador.
*Estagiário sob supervisão do editor Gabriel Silva