Campanha da Fraternidade 2024
‘Não basta, porém, a disposição pessoal para a solidariedade: ela é fundamental, mas só uma ação coletiva será historicamente eficaz.’
A escolha da “Amizade Social” como tema da Campanha da Fraternidade que se inicia nesta semana foi muito oportuna. Neste tempo de guerras, violência e concentração da riqueza nas contas bancárias de tão pouca gente, a CNBB convoca o povo católico a refletir e praticar a amizade social – conceito lançado pelo Papa Francisco em sua encíclica de 2020: Fratelli tutti (Todos irmãos). Escrita durante a pandemia que ceifou tantas vidas e causou tanta tristeza, Francisco nos convida a ver com confiança o futuro.
Para isso ele deixa em segundo plano o conceito de fraternidade que dá nome à encíclica, e introduz a ideia de amizade social. É possível que ele quisesse sugerir que, sendo a fraternidade universal um sonho que só poderá tornar-se real ao instaurar-se o Reinado de Deus, a Humanidade pode ter como meta viável a amizade estendida a muitas pessoas, inclusive as desconhecidas ou distantes. É como se ele nos dissesse: sonhemos, sim, com a fraternidade universal, mas comecemos pela amizade social.
Para melhor entender as implicações práticas desse convite – que se fundamenta na conhecida parábola do bom samaritano (Lc 10, 25) que se faz amigo de um desconhecido – Francisco descreve a realidade do mundo atual e emite um severo juízo de valor contra o egoísmo nele reinante. Com surpreendente franqueza, um dos parágrafos mais contundentes da encíclica aponta o caminho da solidariedade: “Solidariedade é uma palavra que nem sempre agrada; diria que algumas vezes a transformamos num palavrão, que não se pode dizer; mas é uma palavra que expressa muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns.
É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro” (FT – 116). Essa é a mensagem central da encíclica: “É possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas.
Com efeito, a paz real e duradoura só é possível a partir de uma ética global de solidariedade e cooperação” (FT – 127). Não basta, porém, a disposição pessoal para a solidariedade: ela é fundamental, mas só uma ação coletiva será historicamente eficaz. Daí a importância da política para a Paz no mundo. Amizade social não pode ser utopia; ela exige que sejam usados os recursos necessários para sua realização. Neste sentido, conclui o Papa: “Trata-se de avançar para uma ordem social e política cuja alma seja a caridade social. Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum” (FT – 180).
Ao atender essa convocação dos nossos bispos para nesta quaresma cultivar a Amizade Social com todas as suas implicações sociais e políticas, estaremos pavimentando o caminho da Paz e da Justiça tão necessárias ao mundo atual. Assim fazendo, ao terminar a quaresma celebraremos a Páscoa como verdadeira ressurreição.