Carol Gerhein: se dividindo em mil, sendo várias

Na coluna 'Sem lenço, sem documento' desta semana, conheça a atriz, professora de teatro e de dança afro, produtora de elenco, dançarina, cantora e percussionista que já trabalhou em mais de 20 curtas

Por Elisabetta Mazocoli

carol Marcela Calixto
“Nada me derruba”, afirma Carol quando lembra do caminho que percorreu para ocupar o seu lugar (Foto: Marcela Calixto/ Divulgação)

Caroline Gerhein Nascimento é atriz, professora de teatro e de dança afro, produtora de elenco, dançarina, toca percussão, cantora e já trabalhou em mais de 20 curtas. Se divide entre Juiz de Fora, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e onde mais aparecerem oportunidades para ela. Com 26 anos, fez mais cursos do que consegue contar, principalmente durante a pandemia, quando esteve longe dos palcos tradicionais. É formada em Jornalismo, e acha que a comunicação tem tudo a ver com essa trajetória, porque é o espaço em que também as pessoas aprendem a se apresentar. Por muito tempo, como confessa, sempre disse ‘sim’ para tudo que aparecia em seu caminho. Queria aproveitar com toda garra as oportunidades, porque estando na área desde os 11 anos, sabia que não era fácil conseguir chances. Nesse caminho, já foi Dandara, Vitória Régia, Amélia e tantas outras. Cada parte deixa uma marca.

O teatro surgiu em sua vida, como conta, quando ela tinha 11 anos e estava buscando se conhecer melhor. “Eu era uma criança peculiar, que gostava de coisas diferentes das outras crianças. Sempre fui uma criança preocupada com o que seria quando crescesse. Não queria fazer nada que não gostava de fazer, achava muito triste ver pessoas fazendo coisas que elas não gostavam”, conta. Por achar muito difícil escolher só uma coisa para fazer, ia experimentando um pouco de tudo, passando da dança à natação, até que no meio do que parecia apenas uma angústia infantil, da passagem da infância para a adolescência, conheceu o teatro. “Saindo da escola, me entregaram um papelzinho de uma seletiva de um caça-talentos que estava na cidade, para fazer testes de elenco. E eu resolvi tentar fazer, mas sem ter tido nenhuma aula. Me bateu alguma coisa, liguei pra minha mãe e disse que queria tentar fazer. Primeiro, ela não deu muita bola, e desligou o telefone. Dois minutos depois, ela me ligou de volta me perguntando se eu queria mesmo e o que a gente tinha que levar para o teste. Eu nunca vi uma pessoa tão obstinada quanto a minha mãe. Ela me apoia sempre”, diz. Foi assim que, pela primeira vez, teve esse contato. 

Como conta, ela foi para o teste reconhecendo que, pela origem de sua família, não tinha muito acesso ao universo cultural do teatro, já que tinha várias limitações financeiras e sociais. Mesmo assim, quando ia ao teatro, sentia que preferia aquele programa do que uma ida ao cinema, por exemplo. E nessa primeira experiência, quando esteve no palco pela primeira vez, sentiu que tinha descoberto mesmo aquilo que procurava: “Foi a primeira vez que subi em um palco na minha vida, não fazia ideia do que me esperava. Quando me falaram que era minha vez, abriram a cortina e eu vi todos aqueles holofotes, com aquele monte de gente me olhando, eu senti uma coisa que nem sei como explicar. Mas é algo que revisito sempre de novo. Senti que era ali, que tinha achado o que queria fazer pra sempre”. Carol, como relembra, foi passando nas etapas e tendo aulas, até que foi contratada por uma agência. Como morava longe dos principais centros, teve dificuldade para acessar escolas e trabalhos. Mesmo criança, aquilo a deixou muito frustrada – em Juiz de Fora, naquela época, não conseguia participar de aulas de teatro porque não eram oferecidas na sua escola ou não se conjugavam bem com seu turno de estudo.

“Eu era uma criança triste, porque não conseguia esse acesso pra fazer teatro. Tive que esperar cerca de três anos pra fazer teatro, ninguém me dava oportunidade, e aquilo me deixava muito mal, porque eu tinha descoberto o que amava mas não podia praticar”, relembra. Quem deu a ela uma primeira oportunidade foi o grupo de teatro de rua do Curumim, que fazia parte de sua comunidade, no Bairro Furtado de Menezes. Ela chegou a ficar durante cinco anos nesse grupo. “Daí, eu não parei. Fiz vários cursos, passei pelo Grupo Divulgação, fui para o RJ, pra SP, tirei meu DRT com 19 anos”, conta. Por conta da influência do teatro, também foi buscando oportunidades de se aprofundar na dança, principalmente a dança afro e de orixás, e começou a participar do Muvuka, em que podia pesquisar e entender mais sobre o seu universo ancestral. Em 2024, vai inclusive desfilar junto com o Tambor de cumba, um grupo do Rio de Janeiro, em uma ala da bateria da Império Serrano. “Eu trabalho de qualquer jeito. Nada me derruba, nem se eu estiver passando mal ou triste, por exemplo. Este ano teve um momento que estive em três cidades seguidas, uma em cada dia, em um ritmo louco”.

Rupturas e novos começos

A trajetória de Carol, como ela mesma define, é cheia de rupturas e novos começos. Em sua visão, é preciso entender onde ainda se pode aprender e o que se tem a oferecer para o mundo, e por isso a pessoa precisa se dedicar por inteiro a cada coisa que faz. “Muita gente não considera o que eu faço desde pequena como um trabalho, mas se considerassem de verdade, porque eu fazia muita coisa e levava a sério, eu comecei a trabalhar com 11 anos. Pra financiar as produções de teatro de rua, por exemplo, eu ia fazer animação de festa”, relembra. Por isso, cada personagem deixa rastros nela, que trabalha inclusive com o método Michael Chekhov de atuação, assim como técnicas do teatro negro e poéticas do Corpo do Lume. Para ela, o que mais gosta de fazer, hoje, são peças que impactam a realidade e que falam sobre temáticas sociais, e assim possam gerar esse mesmo impacto que sente ao lidar com um novo personagem também nos outros. “O Zé Luis Ribeiro sempre fala que o teatro precisa refletir sobre a realidade. Se ele não estiver refletindo isso em alguma instância, é porque alguma coisa tá errada. Não tem como olhar para o que a gente tem hoje, na sociedade brasileira, e não falar sobre o que a gente tem, a nossa cultura, a nossa realidade. Gosto de ver essa energia da criação reverberando”, diz. 

Da mesma forma, relembra a frase que diz que o ator tem que estar ‘sempre em uma corda bamba’ enquanto atua. “Quando ouvi isso pela primeira vez, não entendi. Mas hoje percebo que os personagens que mais me marcaram foram aqueles que me proporcionaram isso, que me incentivaram nessa busca de encontrar uma pessoa nova dentro de um corpo que eu já conheço há anos”, diz. Ela afirma que leva isso em consideração mesmo, mais até do que os prêmios, que inclusive ela ganhou pela primeira vez aos 15 anos. Esses prêmios, para ela, foram um aceno em direção ao caminho que estava começando a percorrer. “Foram uma legitimação. Era uma indicação de que eu estava me tornando uma atriz completa, que é o que quero mesmo ser”. Como novo momento, o que ela mais quer é fazer seu primeiro solo em 2024, e para o público infantil.

carol Paula Duarte
(Foto: Paula Duarte/ Divulgação)

Vontade de trabalhar

Atualmente, o teatro é a principal fonte de sustento dela por conta das aulas que dá em institutos de ensino particular, a partir de editais e para agências. Mesmo assim, admite que é muita ‘correria’ e ‘luta’ para conseguir fazer tanta coisa, ainda mais porque as peças e produções audiovisuais, como explica, são esporádicas e contam com um cachê que não é fixo. Mas não mudaria o que escolheu:  “Você tem que escolher o tempo inteiro não estar em um lugar para estar em outros. Eu amo trabalhar, sou praticamente viciada. Na minha família, a gente sempre teve que batalhar muito para ter condições, então essa minha realidade é de trabalho desde sempre”, diz. Mesmo assim, explica que o único momento em que se arrependeu de ter priorizado tanto o trabalho foi quando sua avó faleceu. “Quando soube que ela estava doente, parei tudo, fiquei com ela, fiz o que deu. Ela é muito importante na minha história, então precisei disso. Sempre penso nela dentro das personagens, porque ela era benzedeira, e isso permanece comigo, porque os conhecimentos que ela conseguiu passar ficaram com a gente, mas o que não conseguiu, foi embora com ela mesmo”, diz.

Para honrar essa história, inclusive, Carol conta que esta peça solo que pretende fazer aborda justamente sobre a relação da criança com a sua avó. Expressar isso dessa maneira, como faz desde pequena, é a forma de dar continuidade ao que sente. Desde então, também percebe que buscou mais equilíbrio em sua vida, dizendo alguns custosos nãos, porque sabe o quanto cada oportunidade que teve foi difícil e demoraram a chegar. “Eu só consigo viver essa vida doida porque é meu sonho. Eu batalhei muito pra conseguir, então eu agarro com toda força tudo que eu faço. Tenho alguns outros sonhos, mas esse que eu estou vivendo é o maior de todos”, afirma.

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Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli

Elisabetta Mazocoli é uma repórter formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pós-graduanda em Escrita e Criação pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Escreve a coluna "Sem lenço, sem documento", que conta a história de artistas, artesãos e pessoas que trabalham com cultura em Juiz de Fora, mas que nem sempre são conhecidos pelo grande público. Também escreve matérias de cidade, educação, saúde, cultura e diversos outros temas. É autora do livro-reportagem "Do lado de fora: dez perfis de mulheres anônimas", escrito como Trabalho de Conclusão de Curso, e se interessa por jornalismo literário. No tempo livre, escreve e lê literatura, se interessa por produções audiovisuais, viaja, cuida de gatos e aprende línguas. [email protected] LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/elisabetta-mazocoli/

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