Vai uma farinha de larva e grilo aĆ? Cientistas da UFV pesquisam insetos como alternativa alimentar
Ao menos 110 paĆses consomem regularmente insetos na dieta; para pesquisadores, essa pode ser uma soluĆ§Ć£o para enfrentar falta de nutrientes
VocĆŖ comeria uma farinha produzida com insetos? A maioria dos brasileiros responderia “nĆ£o” para essa pergunta. Afinal, hĆ”bitos alimentares que envolvem essas espĆ©cies nĆ£o sĆ£o costume no Brasil. Mesmo que algumas regiƵes do interior do paĆs contem com farofa de tanajura no cardĆ”pio, a ideia ainda pode soar estranha para muitas pessoas. Atualmente, ao menos 110 naƧƵes da Ćsia, Ćfrica e AmĆ©rica Latina consomem insetos regularmente na dieta. Para pesquisadores da Universidade Federal de ViƧosa (UFV), a inserĆ§Ć£o desses animais na produĆ§Ć£o de alimentos pode ser uma opĆ§Ć£o de proteĆna para a falta de suprimento nutricional diante de problemas previsĆveis, como epidemias, mudanƧas climĆ”ticas e degradaĆ§Ć£o ambiental.
Um grupo de pesquisadoras do Departamento de NutriĆ§Ć£o e SaĆŗde (DNS) da UFV decidiram se debruƧar sobre os estudos de insetos comestĆveis e realizam, em especĆfico, experimentos com grilo-preto (Gryllus assimilis) e Tenebrio molitor, conhecido como larva-da-farinha. AlĆ©m dessas duas espĆ©cies, a equipe avaliou a composiĆ§Ć£o nutricional da barata d’Ć”gua (Belostoma anurum). PorĆ©m, apesar de ser uma grande novidade nos estudos com insetos comestĆveis, a criaĆ§Ć£o deste Ćŗltimo Ć© difĆcil e rende pouca quantidade de farinha.
A professora Ceres Mattos Della Lucia, responsĆ”vel pela conduĆ§Ć£o dos estudos, afirma que o grilo-preto e o Tenebrio molitor jĆ” sĆ£o bastante estudados como bons provedores de proteĆnas. Tanto que jĆ” Ć© possĆvel comprar farinhas prontas. “No Brasil, a legislaĆ§Ć£o ainda nĆ£o permite o consumo desses produtos, como acontece em outros lugares do mundo, mas o acesso Ć© permitido para pesquisas, embora ainda sejam muito caras”, explica a pesquisadora.
Os estudos resultaram na caracterizaĆ§Ć£o completa dessas farinhas, avaliando a qualidade das proteĆnas, os micronutrientes contidos nos produtos, a seguranƧa do uso e como o ferro, presente nessas farinhas, Ć© absorvido pelo organismo. “O tema Ć© novo, mas tem grande potencial para o futuro. Por isso, nĆ³s queremos ter respostas para auxiliar escolhas alimentares alternativas como estas, caso sejam aprovadas no Brasil”, aponta.
Farinha de inseto como ingrediente para a indĆŗstria de alimentos
Para fazer as farinhas, por exemplo, os insetos sĆ£o submetidos a jejum, congelados para que morram e, em seguida, sĆ£o secos, para que possam ser triturados. Os resultados da pesquisa foram promissores atĆ© o momento e avaliam a digestibilidade desse tipo de proteĆna e o potencial de suas propriedades para a indĆŗstria de alimentos na fabricaĆ§Ć£o de produtos. “NĆ£o pensamos nas farinhas de insetos como alimentos, mas sim como ingredientes que podem agregar valor nutricional e substituir outras farinhas para alĆ©rgicos e celĆacos”, sugere a professora.
Antes de fazer testes em humanos, os experimentos iniciais foram feitos com ratos de laboratĆ³rio. Para avaliar os alimentos, alguns camundongos receberam raĆ§Ć£o sem nenhuma fonte proteica, enquanto um segundo grupo recebeu a caseĆna, uma proteĆna do leite, chamada de padrĆ£o-ouro para esse tipo de estudo; jĆ” outros foram alimentados com farinhas de grilo com ou sem adiĆ§Ć£o de farinha de soja, o que poderia tornar essas proteĆnas mais completas.
Ao avaliar os roedores, as pesquisadoras concluĆram que o grupo que recebeu apenas farinha de grilo apresentou crescimento semelhante ao que foi alimentado com proteĆna animal. AlĆ©m disso, foram os que mais consumiram a raĆ§Ć£o, mostrando a boa aceitaĆ§Ć£o do produto. Os Ćndices de qualidade proteica demonstraram que a farinha de grilo apresenta boa digestibilidade e a qualidade da proteĆna oferecida nĆ£o se alterou quando a farinha de grilo foi misturada a leguminosas, como a soja. Outra boa notĆcia Ć© que nĆ£o foi observado nenhum sinal de toxicidade nos animais. Os resultados dos trabalhos jĆ” foram publicados em revistas cientĆficas.
A equipe agora estĆ” focada na avaliaĆ§Ć£o da biodisponibilidade de ferro nessas farinhas e seus efeitos em Ć³rgĆ£os, como intestino e fĆgado. Em uma prĆ³xima etapa, as pesquisadoras irĆ£o avaliar a seguranƧa do uso das farinhas em longo prazo, chamado de uso crĆ“nico, e, depois, se houver interesse, chegar Ć etapa de testes com humanos. “Queremos desmistificar o consumo de insetos, divulgar seu potencial e fornecer dados que servirĆ£o de base para possĆveis regulamentaƧƵes de seu uso no Brasil.”
Alimentos do futuro
A OrganizaĆ§Ć£o das NaƧƵes Unidas para AlimentaĆ§Ć£o e Agricultura (FAO) apresentou, em 2020, algumas fontes alternativas de alimentos, dentre elas os insetos e as algas. Considerados como “alimentos do futuro”, os insetos podem ser produzidos em locais de pouco espaƧo, com menos Ć”gua e ainda sĆ£o altamente nutritivos. Diferente das carnes, que atualmente sĆ£o as principais fontes de proteĆna para a dieta humana. Seu processo de produĆ§Ć£o consome muita Ć”gua, alĆ©m de a pecuĆ”ria ser responsĆ”vel por grandes emissƵes de gases do efeito estufa, causar desmatamentos, ocupar grandes extensƵes de terra e o gado demorar a crescer e a engordar.
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