Sobre o campo
“(…) essa transformação de trabalhadores rurais e camponeses em assalariados foi uma condição sine qua non em vários países para que chegássemos à configuração atual da economia de mercado que vemos em diversos lugares”
A história é uma ferramenta essencial para a compreensão das relações de poder, sociais e econômicas do mundo. Apesar de a civilização humana como um todo ter passado por vários modos de produção ao longo do tempo – hidráulico, feudalista, escravista e capitalista -, o ambiente rural esteve, num maior ou num menor grau, presente como componente relevante em todos esses modelos.
Durante a transição do feudalismo para o capitalismo, foi necessária a abolição dos vínculos existentes entre a nobreza e a terra, entre os senhores e os servos. Esse processo não se deu ao mesmo tempo em todos os lugares e dependeu de particularidades de cada país. Enquanto o Japão só foi se ver livre das suas relações “feudais” na segunda metade do século XIX após a Revolução Meiji, a Europa já passara pela Revolução Francesa e derrubara o “Velho Regime” décadas antes.
Ainda que com algumas idas e vindas, como o caso da França, a transformação brutal que ocorreu no campo esteve decerto na base da construção do capitalismo moderno – vide “Lei dos Pobres” e “Leis do Cercamento” na Inglaterra. Os fisiocratas, a primeira escola de pensamento econômica, via na terra a única e exclusiva fonte de toda a riqueza, sendo o papel do seu proprietário investir em meios que a tornassem mais economicamente eficiente. Eles advogavam por investimentos públicos em infraestrutura, a exemplo de estradas, de modo que fosse facilitado o escoamento da produção rural, e brandiam contra a classe “parasita”, os arrendatários – que ganhavam dinheiro sem produzir.
Essencialmente, essa transformação de trabalhadores rurais e camponeses em assalariados foi uma condição sine qua non em vários países para que chegássemos à configuração atual da economia de mercado que vemos em diversos lugares. No caso do Brasil, onde a industrialização foi tardia e até hoje o agro mostra certa preeminência, as relações no meio rural ditaram o humor da economia durante muitos anos. A mineração de metais preciosos, o cultivo e a colheita da cana-de-açúcar, do algodão, do fumo, do café, a extração do látex para a produção de borracha e até a produção de cacau no sul da Bahia, todas essas atividades têm em comum, além de um relativo baixo nível de complexidade econômica no processo produtivo, o fato de estarem intrinsecamente vinculadas ao meio rural e inseridas na dinâmica primário-exportadora. Não obstante a esmagadora transformação e diversificação pela qual a economia brasileira passou desde a crise de 1929 – desenvolvendo a indústria química, metalúrgica e siderúrgica – o país ainda conserva muitas das suas vantagens comparativas no setor agrícola.
São várias as explicações na literatura econômica para justificar o porquê de os países crescerem e se desenvolverem. Elas giram em torno de alguns fatores como produtividade, instituições, investimento em capital humano, reforma agrária etc. Entretanto é vital perceber que muito pouco disso seria possível se as estruturas político-sociais existentes no campo não fossem elididas e reconstruídas. A dinâmica histórica em torno dessa variável exerceu grande influência sobre os rumos econômicos de um país.