O Natal para nós!
“Então é Natal…” Principia-se assim uma das mais tocadas músicas de fim de ano. Como que num susto, a constatação de que mais um ciclo se fecha convida a avaliar “o que você fez”. Entretanto, logo vem o alívio posto que “se um ano termina, começa-se outra vez”. Tal é a ilusão, quase anestésica, que os calendários engendram: o tempo é cíclico e ainda temos chance. Talvez sejam os calendários a invenção mais antiga do homem para ludibriar a certeza inconveniente da passagem do tempo e da finitude de nossa passagem por ele. Apenas pela pandemia da Covid-19, mais de 618 mil brasileiros não vão celebrar o Natal com suas famílias esse ano.
Mas os calendários também surgiram da tentativa de domar o tempo, racionalizá-lo, dar sentido cultural ao que se passa para além do homem, no domínio do natural. Assim, se tornaram um elemento definidor e identitário dos vários povos e civilizações. Por eles se organizam as atividades laborais, mas também as festivas. Se definem idades e papeis sociais para cada uma delas. Colhem-se os frutos e as crianças, quando amadurecem, para se tornarem sustento de outras vidas.
Por essas razões mesmas, quando se queria conquistar, no sentido mais invasor que sedutor, logo se tinha que dominar o tempo de outrem, seja sobrepondo-se as datas seja retirando-lhes os sentidos. Aos conquistados restava-lhes render-se ao arreio com que tentaram seus algozes domar o indomável ou resistir na marra e na criatividade perpetuando seu próprio trote temporal.
Com o nosso calendário cristão, não foi diferente. Construído da justaposição de datas ditas pagãs, ele também se impôs sobre a temporalidade de povos catequizados. Organizador de nossas liturgias, ele nos remete para uma temporalidade divina, expressa nos ciclos da criação e nos convida ao mistério que une o Criador às criaturas chamado eternidade.
Como os conquistadores de outrora e de sempre, os lanceiros do capitalismo também seguem a fórmula da sobreposição dos calendários e, trazendo seus ritos e templos, seus avatares e objetos próprios de adoração e de ornamentação avançam em escala global, transformando cada data numa oportunidade de incentivar o consumismo, enaltecer a opulência e o esbanjamento entre os privilegiados da sociedade.
Nada mais contrário ao verdadeiro sentido do Natal que, para nós cristãos, não é o fim, mas a data culminante do tempo que inicia o ano litúrgico.
Jesus é o próprio Deus que quis compartilhar conosco a experiência humana com suas angústias e alegrias! Maria foi a mulher, jovem e de periferia que, com seu imperativo obediente, permitiu que o mistério acontecesse no seu ventre. Tem sido mãe de Deus, de menino até a Ressurreição, sempre a seu lado! José foi o pai que, operário, protegeu e ensinou ao jovem o valor do trabalho das mãos calejadas! Os pastores são como essa gente humilde para quem o mínimo que se tem é para compartilhar com os que têm menos ainda! Os anjos juntam seus coros com todos que estão dispostos a se solidarizar, como os Vicentinos que acolhem a população de rua, os movimentos que garantem um Natal sem fome ou os que rapidamente se mobilizam para amparar os que são atingidos por calamidades como as chuvas dos últimos dias… pois, cada um deles são como anjos da guarda! A estrebaria e os animais estão ali para lembrar que o menino Deus nasceu, nas piores condições sociais, para os pobres e para todas as criaturas! Os magos se aproximam para reverenciar, com toda ciência e simbologia humanas, aquela Epifania!
Esse espaço é para a livre circulação de ideias e a Tribuna respeita a pluralidade de opiniões. Os artigos para essa seção serão recebidos por e-mail ([email protected]) e devem ter, no máximo, 30 linhas (de 70 caracteres) com identificação do autor e telefone de contato. O envio da foto é facultativo e pode ser feito pelo mesmo endereço de e-mail.