Cinco obras que retratam a IndependĂȘncia do Brasil
Tribuna lista obras de diferentes visÔes que abordam sobre a proclamação de Dom Pedro I
Como realmente aconteceu, ninguĂ©m sabe ao certo. Fato Ă© que aconteceu. Em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I proclamou a IndependĂȘncia do Brasil Ă s margens do Rio Ipiranga e, com isso, os laços com Portugal foram, teoricamente, rompidos. O grito “independĂȘncia ou morte” definiu os rumos que o paĂs tomaria a partir de entĂŁo. VĂĄrias foram as obras que, pelo menos, tentaram decifrar o que, afinal, teria acontecido. Em cada Ă©poca, influenciados pelos contextos culturais e sociais, artistas se desafiaram a contar essa histĂłria, por vezes romĂąntica, por vezes realista e, por que nĂŁo, satĂrica tambĂ©m. Neste Confira, prĂłximo a completar 199 anos do fato histĂłrico, a Tribuna lista cinco dessas obras com diferentes visĂ”es sobre esse mesmo assunto.
“IndependĂȘncia ou morte”, quadro de Pedro AmĂ©rico
No nosso imaginĂĄrio, a proclamação da IndependĂȘncia do Brasil tem a imagem construĂda pelo brasileiro Pedro AmĂ©rico, imortalizada no quadro “IndependĂȘncia ou morte”, de 1888. A obra foi feita jĂĄ com a intenção de ser a referĂȘncia no que diz respeito a como, afinal, Dom Pedro I anunciou a independĂȘncia de Portugal. Para isso, o artista precisou estudar a fundo o movimento que eclodiu a ruptura, o prĂłprio terreno do Ipiranga e atĂ© entrevistou testemunhas para reconstruir, anos depois, a cena. Apesar disso, nela, percebe-se uma construção heroica do ato, com Dom Pedro I ao centro e em elevação, enquanto os outros personagens ocupam as laterais da tela, referenciando, ao mesmo tempo, patriotismo e saudação. NĂŁo Ă toa, Ă© essa a imagem que ocupa os livros didĂĄticos.
“SessĂŁo do Conselho de Estado”, quadro de Georgina de Albuquerque
Mas antes da proclamação em si, muita coisa foi necessĂĄria. Em 2 de setembro de 1822, aconteceu a SessĂŁo do Conselho de Estado, fundamental na tomada de decisĂŁo que resultaria na independĂȘncia. Em 1922, cem anos depois, Georgina de Albuquerque retratou a cena em sua obra que leva o nome da sessĂŁo e ganhou o prĂȘmio da Exposição de Arte ContemporĂąnea e Arte Retrospectiva do CentenĂĄrio da IndependĂȘncia. Ao contrĂĄrio de tantas obras que retratam o dia, o quadro mostra a princesa Maria Leopoldina destacada, como personagem fundamental na sessĂŁo e, consequentemente, na proclamação. Em uma Ă©poca em que a participação feminina na arte era basicamente apagada, Georgina, alĂ©m de se consagrar na pintura, coloca em cena a participação histĂłrica de uma outra mulher nas decisĂ”es polĂticas.
“IndependĂȘncia ou morte”, filme de Carlos Coimbra
A tela de Pedro AmĂ©rico foi referĂȘncia para a construção do filme tambĂ©m chamado “IndependĂȘncia ou morte”, de 1972, dirigido por Carlos Coimbra, em que os atores reproduzem a cena como o pintor sugeriu. Com um enredo tambĂ©m romantizado, TarcĂsio Meira interpreta Dom Pedro I, que tem sua histĂłria contada desde a saĂda da Europa. O filme foi o mais visto daquele ano, em plena ditadura militar. Em entrevista ao jornalista Pedro Bial, no programa “Conversa com Bial”, o ator sugeriu que o sucesso foi dado, exatamente, pelo momento de lançamento e seu teor sobretudo ufanista, que enaltece a proclamação. Os militares perceberam que seria interessante sua distribuição, em vista do clima “Brasil: Ame-o ou Deixe-o”. Era exatamente o que queriam no momento de comemoração dos 150 anos da independĂȘncia.
“Crise colonial e independĂȘncia: 1808-1830”, organizado por Lilia Moritz Schwarcz
Primeiro livro da sĂ©rie “HistĂłria do Brasil Nação”, “Crise Colonial e IndependĂȘncia: 1808-1830” desvenda os fatos que levaram Dom Pedro I a declarar a independĂȘncia e desenrola a histĂłria atĂ© seu filho, Dom Pedro II, assumir o trono, aos 5 anos. AlĂ©m do viĂ©s polĂtico, os autores revelam os contextos sociais, econĂŽmicos e culturais. Lançado em 2011, cinco historiadores ficaram a cargo dessa missĂŁo: Alberto da Costa e Silva, LĂșcia Bastos Pereira das Neves, Jorge Caldeira, Rubens Ricupero e Lilia Moritz Schwarcz – que, tambĂ©m, assumiu a direção da sĂ©rie de seis volumes. Essa talvez seja a obra, entre as aqui listadas, que corresponde ao perĂodo de forma mais acurada, por sua caracterĂstica totalmente histĂłrica. Uma leitura para, inclusive, entender o Brasil contemporĂąneo.
“A pescaria”, poema de Murilo Mendes
Publicado no livro “HistĂłria do Brasil”, de 1932, o poema “A pescaria”, do juiz-forano Murilo Mendes tambĂ©m versa sobre a IndependĂȘncia do Brasil, mas de maneira satĂrica. Existe um boato de um incĂŽmodo intestinal que Dom Pedro I teria sentido no dia. O poeta usa disso e traz uma imagem nada romĂąntica do acontecido, principalmente caçoando de que, apesar disso, o paĂs se manteve refĂ©m de Portugal. Seu grito, no poema, foi: “Ou me livro d’esta cĂłlica/ Ou morro logo d’ua vez!”. Logo depois de se aliviar, ele comemora o sucesso: finalmente Ă© independente e a farra pode começar. “E a colĂŽnia brasileira/Toma a direção da farra.”
A pescaria
Murilo Mendes
Foi nas margens do Ipiranga
Em meio a uma pescaria.
Sentindo-se mal, D. Pedro
– Comera demais cuscuz â
Desaperta a barriguilha
E grita, roxo de raiva:
âOu me livro dâesta cĂłlica
Ou morro logo dâua vez!â
O prĂncipe se aliviou,
Sai no caminho cantando:
âJĂĄ me sinto independente.
Safa! vi perto a morte!
Vamos cair no fadinho
Pra celebrar o sucesso. â
A Turma de Coimbra surge
Com as guitarras afiadas,
Mas as mulatas dengosas
Do Club Flor de Abacate
Entram, firmes, no maxixe,
Abafam o fado com a voz,
Levantam, sorrindo, as penas…
E a colĂŽnia brasileira
Toma a direção da farra.
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