Celíacos defendem aumento da oferta de produtos sem glúten em JF
Consumidores apontam preocupação com contaminação cruzada, apesar de número de estabelecimentos do segmento ter crescido
Para algumas pessoas, o consumo de alimentos sem glúten é uma opção, um meio de atingir uma dieta e um estilo de vida mais saudável. Para alérgicos e celíacos, porém, a busca por esses produtos é uma necessidade e um desafio. Levando em consideração a estimativa mundial de que 1% da população é celíaca, Juiz de Fora pode ter cerca de 5.600 habitantes com a doença. Apesar de o número de estabelecimentos que ofertam alimentos sem glúten em Juiz de Fora ter crescido, esse nicho de mercado ainda é considerado pequeno pelos consumidores ouvidos pela Tribuna. O documentário Não contém glúten, da produtora e roteirista Kethleen Formigon, também aponta que os celíacos têm dificuldades de encontrar lugares seguros para comer na cidade por não saberem como se dá o preparo destes alimentos. Eles relatam que deixam de consumir por medo de contaminação cruzada e dão preferência a produtores locais e ao preparo em casa.

Aos 49 anos, a artista plástica Tereza Miranda Carvalho descobriu que era celíaca. Até então, ela acreditava que produtos como pão, bolo e macarrão a faziam mal, até entender que era o glúten o causador dos seus problemas. Como consequências por ter se contaminado por tanto tempo, ela adquiriu intolerância a lactose e a proteína animal, sendo obrigada a se tornar vegetariana. Hoje, aos 62 anos, Tereza conta que é muito cautelosa com sua alimentação, verificando rótulos, dando preferência a produtores locais que sejam celíacos e levando sua própria refeição sempre que precisa comer fora. “Não como nada fora de casa, porque o produto feito em uma cozinha contaminada me faz muito mal. Juiz de Fora precisava ter restaurantes, bares e lanchonetes sem glúten, nem em shoppings tem. Mas melhorou muito, porque tem pessoas celíacas que produzem alimentos sem glúten”, destaca a consumidora, que diz conhecer poucos espaços que oferecem alimentos sem glúten e sem contaminação cruzada, quando ocorre a transferência acidental de glúten de um alimento para o outro, direta ou indiretamente, por meio da manipulação.
A microempresária Ana Luiza Castro se descobriu celíaca aos 19 anos, e conta que também deixou de comer fora pelo risco de contaminação. “Até uns anos atrás eu comia normalmente em restaurantes self-service, focando em salada e coisas que não tinham risco de contaminação. Mas, atualmente, tenho cada vez mais evitado comer fora. Geralmente, faço todas as refeições em casa e quando vou a bares, só bebo, não como nem porção”, comenta. Na intenção de melhorar a própria alimentação, Ana Luiza Castro passou a cozinhar e aumentou a produção para atender outros celíacos. “Eu não estava satisfeita com os produtos que encontrava, achava os pães sem sabor e secos e não tinha muita variedade de bolos como tem hoje. Quando gostei de algumas coisas que eu fiz, como brownie e pão de mel, pensei em produzir para vender”, conta.

Sua marca, Raras sem Glúten, foi criada em 2013, e hoje Ana Luiza é uma das produtoras que vendem alimentos sem glúten na Feira É Daqui. Além de bolos, pães, doces e salgados, os consumidores podem encontrar diversos produtos que atendem a celíacos, veganos e intolerantes a lactose. “É uma feira totalmente voltada para a inlcusão alimentar. Além de valorizar a economia local e encontrar produtos frescos e sem conservantes por um preço justo, tem a valorização da produção artesanal. (Isso permite) diminuir o consumo de produtos industrializados, processados e até importados sem glúten, que podem, muitas vezes, ter baixo valor nutricional”, observa.
Mercado promissor
Para a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes da Zona da Mata (Abrasel ZM), Francele Galil, ainda é muito baixo o número de bares e restaurantes que oferecem alimentação sem glúten em Juiz de Fora. “Hoje, dentro da Abrasel, temos o Espaço Café Central. Pelo conhecimento e exigência, os donos do restaurante estão sempre acompanhando a produção para evitar a contaminação cruzada. Ainda não temos uma casa que tenha exclusivamente opções sem glúten, mas é um mercado em expansão e que, com certeza, já tem gente de olho para empreender nesse segmento, visto que há demanda. Os que correrem para sair na frente serão agraciados”, avalia.
Francele acredita que o tema ainda é uma questão que precisa ser mais trabalhada no setor. “Se parar para olhar determinados alimentos que não contêm glúten, existem vários deles dentro do cardápio. Mas, talvez, se contivesse a informação ‘sem glúten’, isso facilitaria a identificação para o consumidor. Até os não-celíacos, que às vezes estão procurando uma alimentação balanceada, buscam esse tipo de produto. Acredito que precisa ser um assunto mais divulgado, para que os próprios empresários comecem a atentar para essa fatia do mercado”, afirma.
Supermercados devem ter sessão separada
Desde 2011, a Lei Municipal 12.269, alterada em 2015, obriga os supermercados e hipermercados de Juiz de Fora a exporem aos consumidores, em um mesmo local ou gôndola, todos os produtos alimentícios que não contêm glúten. A medida leva em consideração o respeito às condições de armazenamento dos produtos congelados, resfriados e de temperatura ambiente. O descumprimento da ordem é penalizado com multa proporcional à capacidade econômica do estabelecimento.

De acordo com o vice-presidente da Associação Mineira de Supermercados (Amis) em Juiz de Fora, Alvaro Pereira Lage, há atualmente uma oferta expressiva de produtos sem glúten na cidade, visto que tanto o setor quanto as indústrias estão atentas aos lançamentos de produtos saudáveis. Para garantir a qualidade dos alimentos, ele afirma que os supermercados compram apenas produtos que apresentam selo de órgãos fiscalizadores e estão atentos às orientações do fisco. “Ao sinal de qualquer dúvida que possa afetar a saúde do consumidor, o supermercado imediatamente retira o produto da área de venda e aguarda as instruções do fisco.”
Quando se trata da produção própria dos estabelecimentos, Alvaro afirma que é recomendado aos setores de padaria e rotisserie que se evite a contaminação cruzada através da separação de utensílios, equipamentos e bancadas na hora de produzir produtos com e sem glúten. “Se não for possível, os equipamentos e locais devem ser bem higienizados para evitar esse cruzamento. (Também) sugerimos que os produtos sem glúten sejam vendidos em áreas destinadas a itens da categoria de saudáveis, ou seja, em área diferente dos outros (com glúten)”, acrescenta.
Contaminação cruzada
Antes de ter o cuidado de verificar rótulos, a artista plástica Tereza Miranda Carvalho afirma que já se sentiu enganada pela disposição dos produtos nas prateleiras de supermercados. “(Anos atrás) nas prateleiras, tinha algo sem glúten, mas perto tinha um bolinho integral com glúten. Comi e passei muito mal. Hoje não compro nada sem ler atentamente o rótulo”, comenta. Segundo a microempreendedora Ana Luiza Castro, além da pouca diversidade de produto sem glúten, ainda é possível encontrar supermercados que não separam os produtos com e sem a proteína em setores diferentes.
Desde 2003, a lei nacional 10.674 obriga que todos os alimentos industrializados informem em seu rótulo se contém ou não glúten, como medida preventiva aos consumidores celíacos. No entanto, a presidente da Associações de Celíacos do Brasil de Minas Gerais (Acelbra-MG), Ângela Diniz, recomenda que seja observada também a lista de ingredientes, em busca de traços de alimentos que possam conter esse conjunto de proteínas. Isso porque nem todo produto sem glúten é realmente apto aos intolerantes. “Nem sempre a gente pode confiar na questão de não conter glúten. O arroz, por exemplo, não contém glúten, mas se foi utilizado o mesmo maquinário onde se manipula trigo para manipular, pesar ou embalar esse arroz, irá ter contaminação cruzada por glúten. Porém, a RDC (nº 26 da Avisa) obriga informar a presença de traços de alimentos alérgicos, como trigo, aveia, cevada, malte e centeio (que contêm glúten)”, destaca.
De acordo com a presidente da Acelbra-MG, Ângela Diniz, ainda não existe no Brasil alguma medida que possa fiscalizar esse tipo de contaminação especificamente. “O ideal seria que houvesse laboratórios cadastrados para produzir laudos informando quantas partes por milhão (de glúten) existe nos produtos, para dizer se é de fato livre de glúten. Por enquanto, o Brasil segue o Codex Alimentarius de 20ppm”. Segundo a Anvisa, um celíaco pode tolerar até 10mg/dia da proteína sem efeitos clínicos objetivos.
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“Aqui não entra glúten”

Mateus Mendes e a esposa desejavam abrir um negócio de alimentação, seguindo uma filosofia de vida saúdavel, e apostaram na panificação. Por meio de pesquisas, eles buscaram se aperfeiçoar e constataram a necessidade de produzir alimentos mais saudáveis. “O primeiro livro que lemos foi ‘Barriga de Trigo’, de um autor americano, e começamos a entender que o trigo tinha sido muito modificado e não era algo bem digerido, e encarávamos isso como não-saudável. Entramos então nessa concepção de produzir sem trigo, centeio ou cevada”, conta o sócio-proprietário da padaria artesanal Empório Life.”
Inicialmente, eles produziam em casa e vendiam os primeiros produtos a delivery e em academias. Após três anos, abriram uma padaria artesanal para evitar contaminações. “Muito tempo depois passamos a entender o que é contaminação cruzada, que precisávamos parar de fazer em casa e alugar um local para fazer. Por seis meses produzimos sem abrir. Quando chegamos a 19 itens, com pães, polvilho e coxinha, resolvemos abrir a loja”, conta Mateus. Além de todos os alimentos produzidos no estabelecimento serem sem glúten, há também produtos veganos, sem lactose e sem ovos. A intenção é oferecer produtos diversos, artesanais e industrializados, atendendo às demandas dos clientes também quanto à praticidade.
Para manter a qualidade e minimizar ao máximo os riscos de contaminação por glúten, os principais cuidados que Mateus toma está na escolha dos alimentos – com observação dos rótulos – e de seus fornecedores, além de isolar a produção no subsolo da loja. Até mesmo os funcionários são conscientizados a não levarem de casa para o trabalho alimentos que possam estar contaminados, dando preferência a utilizarem produtos da própria loja. “Não tem como bloquear a contaminação, porque eu não sei quem circula aqui dentro e onde circulou antes de entrar. Mas tudo que fazemos é tentar minimizar esse risco”, explica. Na sua concepção, para que essa contaminação seja de fato reduzida, seria necessária uma mudança em todo o setor de produção de alimentos. “Tem que haver uma educação desde o princípio da cadeia: onde foi plantado, como foi transportado para a empresa que embalou, até chegar às empresas que compram as matérias primas. Mas acho que é muito difícil nossa geração viver isso”, lamenta.