A essĂȘncia empreendedora de Juracy Neves contada em livro
Atuante em diferentes ĂĄreas, da saĂșde Ă construção civil, passando pela comunicação e indĂșstria, Juracy Neves, mĂ©dico, professor e empresĂĄrio, tem trajetĂłria revisada em livro com lançamento no prĂłximo dia 11
“O sujeito nĂŁo nasce humano, mas com potencial humano. Na espĂ©cie humana, o nascer antecede o ser. Com os animais Ă© o contrĂĄrio: o cachorro jĂĄ nasce cachorro, o gato jĂĄ nasce gato. O homem nĂŁo nasce homem. Quem nos ensina a ser homem Ă© o outro. Carregamos o outro dentro de nĂłs, porque Ă© com o outro que aprendemos a andar, a falar, e muitos outros potenciais. Tudo isso Ă© desenvolvido na criança. O homem Ă© totalmente integrado ao outro.” Na segurança do mĂ©dico, com o tom didĂĄtico do professor e na intrepidez do empresĂĄrio, Juracy Azevedo Neves conta sobre os conhecimentos que respondem por sua formação. Aprendeu a ser homem e tambĂ©m a ser empreendedor. TambĂ©m compreendeu o lugar em sua vida da religiosidade tĂŁo ensinada por sua mĂŁe. “Eu era catĂłlico por conta da minha mĂŁe e da herança cultural. TĂnhamos a formação catĂłlica, mas o estudo da antropologia, do processo evolutivo do homem, foi tirando minha fĂ©. Cheguei Ă conclusĂŁo, atravĂ©s de estudos, de que Deus estĂĄ no imaginĂĄrio humano. Ă uma criação do homem por necessidade. Acredito em Deus, que Ă© fruto do imaginĂĄrio humano. Ele nĂŁo tem existĂȘncia real. Mas o mundo ainda nĂŁo estĂĄ pronto para viver sem Deus. HĂĄ a necessidade da presença de Deus. NĂŁo sou ateu. Porque o ateu tem que provar porque nĂŁo acredita em Deus. NĂŁo sou assim. Sou pragmĂĄtico. NĂŁo tenho que provar a existĂȘncia, nem dizer porque nĂŁo existe. NĂŁo tenho que provar nada. Sou um homem racional, funciono pela razĂŁo. Tudo tem uma razĂŁo de ser”, comenta o homem, que aos 86 vĂȘ a biografia “O homem da planĂcie: Vida, obra e ideias de Juracy Neves” (217 pĂĄginas) ter sua razĂŁo de ser.
“Como ele Ă© antropĂłlogo, percebe muito bem que um homem se materializa em suas realizaçÔes. A gente passa, mas o que realiza permanece. A eternidade estĂĄ aĂ”, pontua o autor da obra, o editor geral da Tribuna, Paulo Cesar Magella. Fruto de uma pesquisa e entrevistas iniciadas hĂĄ mais de um ano, o livro, dividido em capĂtulos por realizaçÔes, conta com passagens e momentos de angĂșstia, como o que relata a amputação de uma perna. Encerrada com uma longa entrevista, na qual o biografado expĂ”e suas ideias nas ĂĄreas de saĂșde, educação, polĂtica, economia e sociedade, a obra tem lançamento no prĂłximo dia 11, terça-feira, Ă s 9h, no Premier Parc Hotel.
Primeiros passos visionĂĄrios
Atuante em diferentes setores da sociedade juiz-forana, Juracy Neves tornou-se um dos principais nomes da empreendedorismo local nas Ășltimas dĂ©cadas. “Minha essĂȘncia, minha alma, Ă© empreendedora”, reconhece. “A Santa Casa Ă© um legado. IrĂamos ficar sem ela, nĂŁo fosse o trabalho dele. O Grupo Solar de Comunicação tambĂ©m Ă© outro legado, porque contamos a histĂłria de Juiz de Fora desde 1981, registrando cotidianamente. Ele teve o primeiro cursinho prĂ©-vestibular, junto do Olamir Rossini, com quem tambĂ©m trouxe o primeiro hospital de cĂąncer. AtĂ© entĂŁo as pessoas morriam aqui, ou quem tinha condiçÔes saĂa para se tratar. As obras da construtora dele sĂŁo vistas em vĂĄrios pontos da cidade. Ele construiu trĂȘs bairros e um prĂ©dio que parece uma cidade. Imagina fazer isso nos anos 1970, quando o financiamento era Ășnico, do BNH (Banco Nacional da Habitação). Realmente a planĂcie Ă© o habitat dele. Ele olha sempre para a frente”, comenta Magella, sobre o homem que, ainda, reĂșne o tĂtulo de professor da Faculdade de Filosofia da UFJF, cargo que assumiu no princĂpio dos anos 1970.
O convite para comandar uma sala de aula, lembra Juracy, partiu do entĂŁo professor JoĂŁo Villaça. “Aceitei, e a faculdade foi encampada pela UFJF. Comecei a dar aulas sem nunca ter tido o conhecimento em filosofia. Eu sĂł conhecia um pouco da antropologia fĂsica, eu estudava os homens. Entrei nos estudos profundamente, entĂŁo”, recorda-se ele, que naquele tempo jĂĄ dava seus primeiros passos visionĂĄrios, criando o curso prĂ©-vestibular Barros Terra. “Tem muito de Arthur Schopenhauer (filĂłsofo alemĂŁo), que fala que temos desejos e frustraçÔes, e nossa vida se pauta nisso. Fazemos um projeto, daqui a pouco queremos outro, e outro. O Juracy começou na medicina, montou um hospital, trabalhou naquilo e mais tarde percebeu que aquilo jĂĄ nĂŁo era o suficiente para atender a ansiedade que tem. De repente, ele se viu no mundo da comunicação, se relacionou com a polĂtica e tambĂ©m estava na construção civil. Houve um tempo em que ele atuava na medicina, construção civil, comunicação e polĂtica. Ele Ă© muito ansioso, de realizaçÔes, nunca estĂĄ conformado, quer sempre ir alĂ©m. Ele Ă© muito determinado”, aponta Magella.
Acordando cedo com as galinhas
Ainda muito cedo, aos 11 anos, Juracy Neves conheceu o peso da morte. JosĂ© Antunes, o JosĂ© Jorge, deixou em silĂȘncio a mulher, AcidĂĄlia, e os quatro filhos, JosĂ©, Juracy, Aparecida e Terezinha. “Ele morreu cedo, aos 37 anos. Ele me estimulou muito, pena ter ido embora tĂŁo cedo. Depois minha mĂŁe se casou outra vez, e meu padrasto tambĂ©m era bem participativo. Meu pai era um empreendedor nato. Se ele nĂŁo tivesse morrido, estaria entre os grandes do frango no paĂs, poderia ter sido como a Pif Paf. A essĂȘncia dele era de fazer alguma coisa. Ele montou um empĂłrio de galinha em Lima Duarte, onde ele vendia frango de granja. O frango era comprado vivo, amarrava o pĂ© dele, punha debaixo do braço e ia embora. Ele comprava os frangos na regiĂŁo de Lima Duarte e mandava para Juiz de Fora e para o Rio. A gente tinha uma rotina bem rĂgida, porque Ă s 17h tinha um volume grande de galinhas chegando. No dia seguinte, pegĂĄvamos e colocĂĄvamos no trem, que saĂa de Lima Duarte Ă s 7h45. Dependendo do volume que tinha, a gente acordava Ă s 4h ou 5h. Meu pai Ă© que chamava a gente. Sempre que ele chamava, eu acordava logo. Meu irmĂŁo Ă© que era meio malandrĂŁo”, conta o homem, dizendo acordar cedo ainda hoje.
Radicado em Juiz de Fora, para onde se mudou com os irmĂŁos, a mĂŁe e o padrasto Benedito (com quem a matriarca teve outros trĂȘs filhos), Juracy escreveu sua histĂłria pessoal e tambĂ©m Ă© profissional obstinado com o trabalho, como ensinou o pai. “O empreendimento que mais me empolgou foi a Santa Casa de MisericĂłrdia. Quando assumi a provedoria, ela estava falida. Fiz uma reuniĂŁo com os credores e pedi seis meses para pagar todo mundo. Verifiquei que a receita nĂŁo dava para manter o hospital, era insuficiente. Precisava pensar num ganho extra para a Santa Casa, e eu criei o plano de saĂșde. O hospital passou a ter duas rendas. Hoje o Plasc arrecada mais de 50% da receita da Santa Casa. Foi um sucesso. Depois outros hospitais começaram a fazer”, rememora ele, provedor por dois mandatos, nos quais fez com que o plano se tornasse o maior de Juiz de Fora.
A melhor coisa: se candidatar e perder
O admirĂĄvel gestor, reconhecido em prĂȘmios e honrarias, tornou-se tĂŁo logo alvo do ambiente polĂtico. “Conclui que a melhor coisa que fiz na vida foi ser candidato a prefeito. E a melhor coisa que me aconteceu foi perder a eleição”, ri. “Quando estava na Santa Casa, o crescimento do hospital foi tĂŁo espantoso que insistiram, entĂŁo, para eu ser prefeito. Entrei naquela euforia, mas demorei a me convencer de que, correndo a periferia de Juiz de Fora, muitos sĂł pedem as coisas. A cidade nĂŁo estava preparada para ter um grande empreendedor. Eu queria fazer a diferença. Se eu tivesse vencido, teria entrado nos debates de toma lĂĄ, dĂĄ cĂĄ”, observa, em perspectiva, o empreendedor que construiu, para o prĂłprio sonho de ser ator, um teatro com o nome da marca inspirada no rei da França LuĂs XIV, o Rei Sol.
“O teatro, o jornal e a rĂĄdio refletem meu espĂrito empreendedor”, reconhece. “Naquela Ă©poca estava muito em voga um estudo sobre a comunicação a longo prazo. Eu era professor de antropologia e me baseei na teoria do ponto ĂŽmega, de que toda a humanidade converge para um pensamento Ășnico. Eu queria, entĂŁo, um meio de comunicação que seguisse esse caminho”, conta Juracy. Paulo Cesar Magella, agora biĂłgrafo, lembra de ter conhecido o mĂ©dico, empresĂĄrio e professor ainda na metade da dĂ©cada de 1970. “Eu estava num restaurante da cidade, o FaisĂŁo Dourado, quando ele chegou com a turma dele. NĂŁo cheguei perto, mas soube que aquele ali era o Juracy Neves”, narra o jornalista, que passou a contratado em 1980, quando o empresĂĄrio assumiu o controle societĂĄrio da RĂĄdio Sociedade (Super B3), em sua primeira investida no setor de comunicação.
“Pelo menos uma vez por mĂȘs o Juracy fazia jantares para os editores. FicĂĄvamos atĂ© 2h ou 3h da manhĂŁ, discutindo a vida, falando sobre tudo, polĂtica, economia, inclusive sobre o jornal, Ă© claro. A gente conversava muito e a histĂłria dele fui conhecendo. Vi os filhos dele crescerem, eram todos menores de idade quando conheci, e aos poucos foram entrando no mercado de trabalho. Pela histĂłria que ouvia, da origem atĂ© onde chegou, precisava que alguĂ©m contasse essa trajetĂłria”, comenta Magella, editor geral do veĂculo fundado por Juracy desde 1995.
‘Tudo o que pretendia realizar realizei’
Tinha ainda 9 anos quando, sob o testemunho do pai, decidiu-se mĂ©dico. Juracy e seu JosĂ© assistiam a conferĂȘncia do mĂ©dico Joaquim Otaviano, em pĂ© na boleia de um caminhĂŁo. Formado no Rio de Janeiro e atuante em Juiz de Fora,o profissional de renome num determinado momento bradou: “Se preciso for, largarei o bisturi para pegar a baioneta!”. Juracy se recorda: “Aquela frase me marcou tanto que eu falei com meu pai: ‘Vou estudar medicina!’. Infelizmente ele nĂŁo pode ver, porque a morte poupou-lhe a vida muito cedo. Mantive a força empreendedora dele e mantenho atĂ© hoje. SĂł nĂŁo dou mais continuidade porque fui vitima de um problema genĂ©tico. Nasci com as artĂ©rias estreitadas nos membros inferiores. Na infĂąncia eu sentia muitas dores, dava muitos problemas. Depois vivi bem, atĂ© os 83 anos, quando começou a aparecer uma dor intensa nas pernas, coloquei stents nas duas, mas na direita ele nĂŁo funcionou direito e teve que ser amputada”, lamenta ele. “O que me salva sĂŁo os livros. Eu era muito ativo, e quando perdi a perna comecei a ler muito mais. Leio de tudo. Mas tem que ser livro de conteĂșdo.”
Para Paulo Cesar Magella, outro evento, vivido oito anos mais tarde, demonstra a obstinação de seu biografado. “Um garoto de 17 anos escrever o que ele escreveu, uma espĂ©cie de manifesto de vida, nĂŁo Ă© para qualquer um”, diz, referindo-se ao texto no qual diz, dentre outras coisas, que promete tirar da vida exatamente o que nela colocar. “Prestarei melhor serviço do que for capaz, porque jurei a mim mesmo triunfar na vida e sei que o triunfo Ă© sempre resultado do esforço consciente e eficaz. Finalmente, perdoarei os que me ofendem, porque compreendo que algumas vezes ofendo os outros e necessito de seu perdĂŁo”, redigiu, em seu quarto, enquanto os amigos brincavam na rua, no dia 25 de março de 1950. Passadas quase sete dĂ©cadas, usando da segurança do mĂ©dico, da didĂĄtica do professor e da intrepidez do emp0145resĂĄrio para Juracy, o homem que escreveu a prĂłpria histĂłria ajudando a redigir a histĂłria de uma cidade, garante: “Tudo o que pretendia realizar realizei. Mas meus sonhos nĂŁo eram impossĂveis.”
SAIBA MAIS
Leia trechos da biografia de Juracy Neves escrita por Paulo Cesar Magella
O HOMEM DA PLANĂCIE: VIDA, OBRA E IDEIAS DE JURACY NEVES
Lançamento no dia 11 de junho (terça-feira), Ă s 9h, no Premier Parc Hotel (Avenida Deusdedit Salgado 1805 – Teixeiras)