Se existe uma obra que deveria ser leitura obrigatória para qualquer administrador público, considero que seja “Acupuntura urbana”. Trata-se de um livro escrito pelo arquiteto e urbanista Jaime Lerner (três vezes prefeito de Curitiba e duas vezes governador do Paraná). Ganhei há mais de dez anos como presente de uma amiga jornalista e, desde então, tem me servido como referência sobre experiências de transformação em diferentes municípios no Brasil e fora dele.
Em seu texto, Lerner conta uma série de práticas que conheceu aqui, nos Estados Unidos, na Austrália, na França e em outros países, que trata de interferências, por governos ou população, na paisagem urbana. Outros projetos mostrados no livro foram de iniciativa do próprio Jaime Lerner nas vezes em que governou o seu estado e sua capital. Algumas atitudes de grande vulto e outras simples, mas que ajudaram a transformar espaços degradados em lugares de boa convivência.
Acupuntura seria algo assim: o toque de um instrumento em uma parte do corpo permitindo o tratamento e a cura do órgão doente, devolvendo a vida saudável à pessoa.
Lerner foi muito feliz ao associar o termo à vida da cidade. Um conceito novo que dá ao lugar onde se vive a condição de um corpo que, uma vez doente, carecerá de cuidados especiais e tratamentos alternativos nas partes atingidas por algum mal.
Margem de rio que vira ciclovia ou lugar para caminhadas, galpões abandonados que viram cinema e teatro, encostas que são arborizadas, áreas de bota-fora que viram espaços de lazer… Enfim, em todas essas ações, existe um método terapêutico de “acupuntura urbana” aplicado ao corpo da cidade.
Em Juiz de Fora, percebemos alguns lugares que passaram por processos de cura assim. Veja o caso do Parque da Lajinha. Um belíssimo cartão-postal da cidade. No final dos anos 1970, estava em processo de ocupação desordenada, que, se não houvesse uma intervenção devida, hoje seria uma imensa aglomeração de moradias sem o ordenamento adequado e, possivelmente, teria sacrificado boa parte daquela maravilhosa mata.
Há cerca de 15 anos, fiz algo parecido no Bairro Araújo. Com alguns amigos, ocupamos quase 500 metros lineares de terreno ao longo da ferrovia que margeia a Rua Maria Eugênia. Antes, havia ali uma área totalmente degradada por mato e lançamento irregular de lixo e rejeitos de construção. Em mutirões, fizemos passeio, gramamos todo o local e plantamos muitas árvores. É o primeiro pomar público da cidade. Em plena rua. Num lugar outrora abandonado, hoje a população colhe acerola, pitanga, manga, abacate, goiaba, abiu, ameixa, laranja, mexerica, limão, carambola, graviola, pêssego, cajá-manga, jambo e conde.
Passar pela Avenida JK e ver a Praça CEU plenamente ocupada em todas as suas possibilidades de uso nos faz crer ainda mais nesse conceito da “acupuntura urbana”. Recordo que, quando era vereador e mesmo depois em outras oportunidades, por diversas vezes, solicitei à Prefeitura a revitalização de todo aquele imenso e abandonado conjunto formado pelas praças Santos Dumont, Almirante Tamandaré e Duque de Caxias. Cheguei, na ocasião, a desenhar uma ocupação do lugar com pista para caminhada, aparelhos de ginástica, quadra de esportes e uma praça de ciência, a exemplo de algumas vistas em outras cidades. Uma série de brinquedos que despertaria o conhecimento científico. Lembro que dei ao embrião do projeto o sugestivo nome de “Parque do Lazer e do Saber”. Não foi adiante. Ficou o sonho. Um sonho que 20 anos depois foi despertado em forma desse maravilhoso projeto do Governo federal (que contou com o apoio da Prefeitura), dando origem à nossa Praça CEU.
Dá gosto e faz muito bem à vista passar ali e ver tanta gente usufruindo desse grande espaço de convivência. “Acupuntura urbana” dá nisso: a comunidade ver surgir do meio de um terreno-problema um espaço-solução para suas necessidades sociais.
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