Pensar a surdez além de seu modelo clínico-terapêutico vem sendo um grande desafio enfrentado pelos sujeitos surdos, e também por estudiosos da área, na contemporaneidade. Até quando iremos tratar a surdez no campo das deficiências, como algo que precisa ser corrigido, curado? Uma pergunta paradoxal quando se trata de indivíduos que, além de apresentarem um déficit sensorial, ou seja, uma deficiência auditiva, também possuem uma forma singular de se comunicar e de interagir com o mundo. E isso se dá através de uma língua. Porém, se fizermos uma varredura em nossa legislação, é esse o lugar dos surdos, o lugar da deficiência, da inabilidade, daquilo que falta. Mas pensar a surdez é ir além do que falta, do déficit, da perda. É pensar em língua, cultura, identidade. É pensar em interação, relação, modelos. É pensar em capacidade, pró-atividade, construção da própria história.
Fato é que, inquestionavelmente, a proposta de educação inclusiva trouxe, para as crianças com deficiências, ganhos incalculáveis e reais. Trouxe lugar, reconhecimento, respeito, alteridade. Fez com que as portas da escola se abrissem para as diferenças. Fez a escola vivenciar a diversidade em sua mais sublime relação, entre indivíduos “ainda” não contaminados por estereótipos e preconceitos. Abriu-se a porta para enxergar um horizonte sem discriminação, marcas e estigmas.
Todas as diferenças foram pensadas, vivenciadas e contempladas nesse processo inclusivo? E a diferença linguística, foi pensada? E as estratégias de ensino, foram pensadas? E o currículo, foi pensado? Não, não, não e não. Pensamos e entendemos a surdez a partir de uma visão socioantropológica, onde esse sujeito é ativo em seu processo de escolarização e de desenvolvimento cognitivo, linguístico e social.
Para que a inclusão do aluno surdo de fato aconteça (garantia de acesso e permanência com equidade), o surdo precisa muito mais do que “ser colocado” em uma escola inclusiva. A inclusão, tal qual conhecemos e vivenciamos atualmente, exclui esse sujeito (de direitos) quando: as aulas são ministradas por professores monolíngues, quando estratégias, práticas e métodos não atendem as suas especificidades visuais e linguísticas, quando se avalia um aluno surdo numa língua que não é sua língua natural, quando os isolamos de seus pares linguísticos e quando não respeitamos a Língua de Sinais (LS), as identidades e a cultura surda.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008) nos aponta a possibilidade de estes sujeitos estarem próximos de seus pares. Por que não estão? Por que fragmentamos sujeitos em espaços e tempos diferentes? A Lei Brasileira de Inclusão (LBI – Lei número 13.146/2015) direciona estes sujeitos (como dever das esferas públicas) para classes bilíngues ou escolas bilíngues. Por que mantemos esses alunos em classes inclusivas?
Repensar a educação de surdos é algo que precisa ser realizado urgentemente. A inclusão é uma inclusão de direitos, direito de ter permanência (com qualidade) no espaço escolar, direito de aprender na Língua de Sinais, direito de ter sua identidade e cultura respeitadas nos espaços institucionalizados e direito de ter a Língua de Sinais em todo o processo de escolarização básica. Isso é incluir.
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