A trágica catástrofe climática que vem ocorrendo no Rio Grande do Sul tem sido daqueles eventos que marcam época e produzem efeitos de caráter traumático nas gerações que acompanham o processo como testemunhas oculares. Situações de tal magnitude ascendem discussões sobre causas, responsáveis e efeitos que surgem a partir disso.
A devastação costuma ser analisada pelos vieses econômico, político e social, mas o crescimento dos debates sobre saúde mental nos últimos anos convoca a psicologia e a psicanálise para refletir sobre os efeitos psíquicos dos eventos ambientais. Como em Brumadinho, em 2019, a pandemia da Covid-19, a devastação causada pelas enchentes que acometem o Sul causam repercussão no Brasil e no mundo.
A dimensão global que a tragédia tem produzido apresenta aspectos de comoção, solidariedade e uma angustiante sensação de luto. Mesmo a significativas distâncias geográficas dos locais afetados durante as últimas semanas, a rotina de boa parte dos brasileiros tem sido impactada. Nos consultórios, sujeitos de diferentes idades e contextos sociais trouxeram um teor de angústia e sofrimento por acompanharem a dor e as perdas dos nossos conterrâneos de pátria. Como uma solução, alguns têm se afastado das redes sociais, buscando certo distanciamento e alienação diante das tristes e assustadoras imagens das pessoas e animais ilhados, das casas soterradas e dos fortes relatos dos socorristas. Imagens que nos lançam frente ao desamparo pela perda de vidas como as nossas. Há ainda a busca de se livrar das fake news, dos discursos negacionistas, da negligência dos culpados e da gravidade que podemos esperar de eventos climáticos cada vez mais frequentes e danosos, causados pela agressiva intervenção humana na natureza.
As consequências já estão postas. Centenas de vidas perdidas, migrações de refugiados climáticos, perdas agropecuárias imensuráveis, desocupação de territórios carregados de história, além dos grandes prejuízos financeiros fazem parte de uma drama que temos que lidar, uma vez que estamos, ainda que indiretamente, submetidos a elas. E infelizmente, nos habituarmos. Num primeiro momento, pensamos nos danos de um ponto de vista prático e objetável, como as doações, o acolhimento das vítimas, e a reconstrução das áreas. Mas não podemos deixar de considerar os impactos psíquicos que um tragédia de tal dimensão pode causar nas pessoas.
Entram em xeque, portanto, compreensões que há pouco pareciam imutáveis. O planeta nos cobra a conta de centenas de anos de exploração e intervenções sem o menor quantum de empatia ou zelo. Como passamos a compreender o progresso, o tempo, os planos vindouros e as próprias relações sociais? Só o tempo responderá qual será nossa postura e nossas escolhas diante das novas e rotineiras catástrofes. O que já podemos concluir é que, caso não mudemos radicalmente nossos hábitos de consumo e de respeito com a natureza que nos resta, não sobrará muito do mundo que hoje conhecemos.
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