A paralisação do setor de transporte de cargas, cujos efeitos todos ainda sentimos, representa um evento com significativo impacto político, sobretudo por se dar às vésperas do processo eleitoral. Politicamente, quem mais perdeu diante das enormes extensão e visibilidade do movimento? Por óbvio, perdeu o campo governista: se considerarmos a baixíssima popularidade do atual Governo federal, instalado a partir do golpe parlamentar de 2016, a presente crise sacramenta a constatação de que Temer quase certamente deixará a presidência com a pior avaliação da história.
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Mas quanto um governo profundamente impopular pode ainda perder de popularidade? Isso faz diferença política? Mesmo antes da greve, Temer já havia anunciado não ser candidato à reeleição – logo, não é no maior enfraquecimento de um governo já fraco que reside a principal consequência política do movimento dos caminhoneiros (ou do locaute de empresas, ou de ambos).
Temer já era, em termos eleitorais, carta fora do baralho – politicamente, já era um cadáver insepulto. A atual crise faz apenas acentuar o já existente fato de que a proximidade com o atual presidente se tornará ainda mais tóxica para quem quer que receba seu apoio em 2018, seja um candidato do próprio MDB (no momento, Henrique Meirelles), seja um candidato do PSDB que venha eventualmente a formalizar aliança com os emedebistas (hoje, Geraldo Alckmin seria o nome tucano).
A questão, portanto, não é Temer, mas o projeto político e econômico que ele representa. O grande derrotado dos últimos dias foi um discurso: o de que bastaria uma gestão – seja do governo, seja das empresas publicas, como a Petrobras – alinhada com os princípios de livre mercado para que os problemas brasileiros fossem superados. Essa narrativa abundou nos momentos finais que antecederam a queda de Dilma e o início do novo Governo – erigido com base na defesa de teses econômicas neoliberais expressas no documento do (P)MDB designado “Ponte para o Futuro”.
Uma nova gestão pró-mercado, liberalizante, tiraria o governo do descrédito, recolocaria o Brasil na rota do crescimento, produziria estabilidade e confiança para a retomada dos investimentos… O discurso foi sendo desmentido dia a após dia, nos últimos dois anos, e teve sua morte cerebral atestada na última semana. Está aí, exposto para os olhos de todos que queiram ver, o que acontece quando o presidente de uma empresa pública como a Petrobras imagina que só deve satisfação à expectativa de retorno de curto prazo dos investidores da companhia, e fica de costas para a complexidade social e econômica do Brasil real.
Assim como só profunda cegueira ideológica neoliberal, ou muita má-informação, ou muita má-fé, explicaria que alguém pudesse alegar não ver que medidas como o teto de gastos públicos (aprovada pelo Congresso numa famigerada PEC instada pelo governo Temer) estão associados a uma piora dos indicadores sociais, da volta da fome, ao aprofundamento das crises na educação, saúde, habitação e transportes públicos.
O paraíso que adviria da queda de Dilma, prometido pelos arautos do mercado e seus sócios no mundo político, não aconteceu. Ao contrário, as medidas liberais só fizeram piorar a realidade dos brasileiros na base da pirâmide social (só para ficar na Petrobras, quantos pobres não voltaram a usar lenha pela impossibilidade de pagar pelo gás?). A última semana dificultou a vida do governo e a de seus sócios políticos na defesa, nas próximas eleições, dessa narrativa neoliberal.
Aquele setor que vem chamando a si mesmo de “centro democrático reformista” (mas que, em qualquer lugar do mundo, seria chamado de direita mesmo) vai ter que caprichar na retórica para se afastar da realidade que produziu – uma vulgata mercadista que, apresentada em 2016 como panaceia, criou o caos que ainda estamos vivendo.