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Por que não aprendemos com Mariana?

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Em novembro de 2015, fomos surpreendidos com o acidente ambiental de Mariana, quando 50 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos de mineração vazaram devido ao rompimento da Barragem do Fundão, pertencente à mineradora Samarco/Vale. Os impactos se projetaram no distrito de Bento Rodrigues, causando 19 mortes, e se estenderam pela bacia do Rio Doce até alcançar o litoral do Espírito Santo.

Na época, escrevi um artigo na Tribuna de Minas, publicado em 15 de dezembro e intitulado: “Da lama ao caos: a lição de Mariana”. Acreditava que o acidente em Mariana serviria de lição para que pudéssemos ajustar nossa conduta em relação às atividades econômicas potencialmente impactantes do meio ambiente. Me referia, em especial, à atividade de mineração, cujos commodities dão relevância à economia de Minas Gerais.
Passados três anos, em 25 de janeiro de 2019, a tragédia se repetiu. Desta vez, foi no município de Brumadinho, na área da Mina do Feijão, onde a Barragem 1 se rompeu, e a lama de rejeitos atingiu o setor administrativo da empresa (Vale), o refeitório e a comunidade Vila Ferteco, vitimando diretamente mais de 300 pessoas, de forma fatal.

É uma barragem que foi construída em 1976 com capacidade de armazenamento de 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios de ferro. Possuía uma altura de 87 metros, com estrutura de alteamento a montante – chamada de upstream -, técnica que permite aumentar a capacidade de armazenamento de forma menos onerosa, porém mais suscetível a rupturas. Aparentemente, apresentava baixo risco, por estar relativamente estabilizada e sem receber rejeitos desde 2015. Mas também podia ser classificada como barragem de “dano potencial alto”, devido ao seu volume e por estar a montante das instalações do setor administrativo da mineradora e de comunidades localizadas na bacia do Rio Paraopeba.

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Sabemos que toda ocupação humana a jusante de barragens de rejeitos encontra-se em situação de vulnerabilidade, condição que exige atenção especial permanente por parte da empresa, dos órgãos ambientais, dos poderes públicos, da Defesa Civil e da Agência Nacional de Mineração (antigo DNPM), órgão federal com função de controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional. Mas ficou claro que não aprendemos com a lição do acidente ambiental (ou crime ambiental) de Mariana. Não nos faltam conhecimentos técnicos para garantir a estabilidade das barragens e assegurar a integridade ambiental e social nas áreas de mineração. Do ponto de vista legal, a legislação ambiental brasileira é uma das mais completas e avançadas do mundo.

Então, de quem é a responsabilidade pelo acidente? Houve negligência na fiscalização? A auditoria externa foi incompetente? Os órgãos públicos fiscalizadores não foram proativos? O Plano de Ação Emergencial da empresa falhou? Na verdade, o que tem ocorrido em nosso país, quase como regra, é a supremacia dos interesses de grupos econômicos em detrimento da preocupação ambiental. Vários empresários e autoridades políticas, em todos os níveis, têm defendido a proposta de flexibilização do licenciamento ambiental para as empresas privadas – o autolicenciamento. Nesse modelo de flexibilização, o empreendedor literalmente se “autolicencia”. O objetivo é acelerar o processo e substituir o modelo trifásico de concessão de licenças sucessivas (licença prévia, licença de instalação e licença de operação) pelo concomitante no qual a LP, a LI e LO poderiam ser expedidas em um único ato.

Segundo representantes dos setores econômicos (agronegócio, mineração, infraestrutura, energia e indústria), o licenciamento ambiental brasileiro precisa ser flexibilizado (agilizado) para não atrasar os cronogramas dos empreendimentos e evitar prejuízos financeiros. Há inclusive quem defenda a fusão dos órgãos ambientais com outros órgãos estatais, reduzindo o rigor das fiscalizações e das multas.

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A verdadeira intenção é enfraquecer a aplicação das políticas ambientais para que as corporações econômicas irresponsáveis continuem maximizando seus lucros. Consolida-se uma cultura de irresponsabilidade socioambiental em todo o país, por isso, não é de se estranhar a reincidência desses “acidentes”. Infelizmente, a exemplo de Mariana, corremos o risco de Brumadinho entrar para a história como mais um caso de “crime socioambiental” sem a devida responsabilização e punição dos culpados.

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