Em meados da década de 1980, eu, meus amigos e muitos outros pensávamos que pela simples força do voto direto iríamos consertar o Brasil. Passávamos as tardes, entre uma cerveja e outra, jogando conversa fora no antigo Bar Esperança – onde antigamente era a Casa das Velhas, na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Oswaldo Aranha. Discutíamos muito sobre o assunto, uns mais à esquerda e outros, como eu, nem tanto. Foram a partir destas discussões que passei a não entender o desejo que algumas pessoas têm em querer que o Estado regule as suas vidas. Tínhamos, porém, a mesma convicção: o voto direto para presidente era a solução de todas as mazelas do país.
Hoje, 30 anos depois, percebo que o voto direto para presidente e também para outros cargos eletivos de nada adiantou, ao contrário. Não venho aqui propagar o voto indireto ou a volta da ditadura, como querem os extremistas, sejam eles de esquerda ou de direita; levanto aqui a simples questão de se ter a liberdade de ir votar ou não.
Quando o voto é obrigatório, como é no Brasil, grande parte das pessoas o faz de maneira automática, como se faz com qualquer coisa que se é obrigado a fazer. A lógica da relação se revela de uma forma inversa, ou seja: o mais importante na relação não é aquele que age por obrigação, o eleitor, mas sim aquele que se apresenta como objeto da ação, o candidato. Logo, o político eleito já nasce com a importante “aura” de autoridade, quando na verdade é um simples cidadão igual a qualquer outro.
Para entender a importância do voto e não do candidato, devemos fazer a distinção entre o direito e o dever de votar. Se o voto for um direito, como eu acho, ele não pode ser obrigatório, mas, quando se torna um dever, aí complica um pouco. Muitos cidadãos no país ainda acham que o voto é um dever cívico. Percebo que este entendimento permeia a vida política do país desde Getúlio Vargas e acho, portanto, que passou da hora de nos livrarmos deste resquício de ditadura que se entremeia entre nós.
Recorro ao imperativo categórico kantiano para mostrar que existem duas maneiras de se cumprir um dever. A primeira é quando agimos “de acordo com o dever” e, deste modo, agimos sempre com medo de alguma coisa, como, por exemplo, de sermos multados quando não pagamos os nossos impostos. A segunda é quando agimos “pelo sentido do dever” e, desta forma, agimos sempre por acreditar, por exemplo, que o pagamento de tais impostos irá fazer bem à nossa comunidade. Por isso, achamos que quem age conforme a segunda opção é mais livre e também mais consciente do que aquele que atua, somente, em conformidade com as normas ou leis vigentes.
De maneira análoga, podemos perceber que aqueles que vão às urnas conscientes da importância de uma eleição são eleitores mais livres do que aqueles que comparecem somente para cumprir as normas. Acabar com esta dissonância, que é a obrigatoriedade do voto, fatalmente resultará em pleitos de melhor qualidade. Ouse saber, diria Kant, exerça o poder do seu entendimento e não deixe que os outros o façam.
P.S.: Encontrei, em uma lixeira anônima na rua, várias estrelinhas vermelhas…