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Transporte público?

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ANDERS BATEVA, ESTUDANTE DE INFORMÁTICA

Saiu na Tribuna matéria sobre o edital da licitação do transporte público. Mas esse transporte não é verdadeiramente público, é privatizado, pois vai ficar na mão de empresas privadas em vez de ser gerido pelo Estado ou por cooperativas. E isso é um grande problema, pois assim o transporte “público”, requisito essencial para a mobilidade urbana, que por sua vez é básica para o direito à cidade, continuará sendo tratado como mercadoria ao invés de direito. Sem direito à cidade, o cidadão não terá acesso a educação, emprego, lazer, cultura, escola, saúde.

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Ter que pagar a passagem na roleta é uma restrição à mobilidade e direito à cidade do sujeito, a catraca é uma vilã! Eu provo: segundo o IBGE (2010), 56% das casas tinham renda per capita mensal inferior a um salário mínimo (que era de R$ 510). Considerando que a tarifa de ônibus de 2010 era R$ 1,80, e que o sujeito pega dois (R$ 3,60) ônibus por dia útil (20 dias/mês) para ir para o trabalho (totalizando 40 passagens/mês), isso significa que esse sujeito, que ganha salário mínimo (pouco mais de R$ 3,18/hora), precisa trabalhar pouco mais de 1h/dia útil, de suas oito, só para compensar o deslocamento até o trabalho e sua volta para casa!

E aí reside a injustiça: não bastassem os pobres terem menos tempo durante o dia (por morarem longe do Centro, precisam acordar mais cedo e ficar mais tempo em trânsito), ainda têm que ficar mais tempo trabalhando para pagar a passagem do que quem ganha mais (pois a fatia do salário de quem ganha mais usada para o transporte é menor). E isso é causado diretamente pela roleta: se todos pagam o mesmo valor mas têm salários diferentes, alguns terão mais mobilidade (mais dinheiro para pagar passagem e mais tempo para transitar) do que outros.

Quanto ao tempo de viagem, não parece fácil de resolver, mas, quanto ao custo da passagem, basta tirar as roletas! Tarifa zero! E aí o transporte seria financiado pela Prefeitura através de impostos, impostos progressivos, ou seja, que aumentam de valor conforme aumenta a renda da pessoa observada. Os pobres e os ricos deveriam ter a mesma fatia do salário (%) usada para transporte. Assim, o custo seria mais justo, pois daria mobilidades mais próximas entre diferentes grupos sociais.

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Outra questão: quando o transporte é mercadoria, as empresas privadas seguem a lógica capitalista do lucro, maximizado por redução de gastos. Então, a ideia é fazer ações o mais lucrativas possível gastando menos dinheiro para tal. Se não for lucrativo criar uma linha para um bairro, o bairro fica sem ônibus. Se colocar mais ônibus dá gasto, mandam o trocador apertar os passageiros (não é raro, várias vezes já presenciei o trocador pedindo para as pessoas chegarem mais para trás para que coubessem mais uma ou duas pessoas no ônibus, mesmo ele já estando cheio até o talo). Se o trocador dá muito gasto, fazem como no Rio de Janeiro e tiram os trocadores. Se comprar ônibus é caro, compram um sem conforto. Se o biodiesel for caro, ou se os elétricos forem caros, usam o diesel comum, mais poluente.

Se o transporte fosse direito, não seria assim. Se o Estado reconhecesse como direito, pagaria para ônibus rodarem para atender quem precisa mesmo que a linha desse prejuízo, porque não importam os gastos, importa o benefício que pode trazer para a população. É assim com saúde, educação, coleta de lixo, tratamento de água e esgoto, polícia, exército, Justiça, restaurante popular… Todos serviços não lucrativos que não seriam realizados devidamente se ficassem só na mão de empresas privadas.

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Veja só, o Restaurante Popular é público, é o Governo quem paga o custo da comida de fato (os R$ 2 são só para evitar abusos e desperdícios, claro que a comida custa mais que isso), tal como nos RUs do Ifet e da UFJF. Mas fizeram uma parceria com empresas privadas, e elas recebem dinheiro de impostos para fornecer o serviço. Já é algo mais justo (ou menos injusto) que deixar os pobres sem comida, os ricos pagam impostos para os pobres poderem comer.

Antes que me mandem para Cuba, gostaria de esclarecer que várias cidades do mundo (86 em 24 países) têm transporte 100% público, algumas localizadas em Estônia, Austrália, China e EUA. Incluindo 11 no Brasil, e três no RJ: Porto Real, Silva Jardim e Maricá.

Então, claro que seria melhor se o transporte fosse 100% público, com motoristas-funcionários públicos, ou que o serviço fosse prestado por uma cooperativa (como a ABC do Uruguai) pelo Estado, mas a parceria público-privada, que consiste simplesmente no pagamento dos custos de transporte por impostos às empresas privadas, já seria um grande avanço. E não é difícil de conseguir, como o Restaurante Popular prova. Mas o prefeito Bruno Siqueira não faz isso, dá trabalho, corre o risco de ser mal-interpretado e pode prejudicar o lucro das empresas, então deixa correr toda injustiça que existe por trás da tarifa.

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Frente à falta de habilidade/vontade/ação do Governo, a solução parece ser usar bicicletas (quando não chove).

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