Por diversas vezes ouvimos ou lemos que “a sociedade está doente”. Geralmente, doença nos causa medo. Assim, ao lançar mão de um título como esse, pretendo chamar a atenção para o fato de parte da população achar que a democracia é uma doença e que, por isso, tem suscitado medo.
Os acontecimentos que inauguraram 2023, envolvendo os ataques aos poderes e instituições constituídos legalmente, demonstraram também que, quando se tem medo de algo e se tem coragem de enfrentá-lo, qualquer um/uma parte para a guerra, guiado pelo ódio, energizado pela raiva. Essa atitude específica traduz o fato de que alguma “liderança” forte conseguiu transformar a democracia em um monstro: sobre o qual ou se tem medo ou se tem vontade de exterminar.
Desde a nossa redemocratização, marcada e amparada pela Constituição de 1988, é nela, sob a tutela dela – a democracia -, que vivemos. Costumo dizer, ou pelo menos pensar, que esse sistema político é como o Sistema Único de Saúde (SUS): perfeito, mas com imperfeições. Assim sendo, requer cuidados cotidianos, diuturnos, para o seu aperfeiçoamento sempre, nunca para a sua destruição.
O termo “redemocratização”, após os atos grotescos deste início de 2023, precisa ser utilizado novamente, ressignificado. Houve alguma falha grande, como aquelas de filmes de ficção que, quando o céu se abre, da falha intergaláctica, surge alguma espécie estranha à vida humana, algo extraterreno que, aí sim, é capaz de causar medo. A “falha grande” na história recente do Brasil, portanto, fez emergir algo extrademocrático, seres estranhos, com forças de quase possessão, e dispostos a destruir a “terra-média” do governo do povo.
Quando a democracia causa medo ou desperta aversão, é o momento da redemocratização. Não como quem passa por cima de qualquer coisa – corrupção, por exemplo – para atingir esse fim. Mas no sentido de repensarmos, nós, cidadãos, em quem estamos depositando nosso poder. Afinal, monstros só aparecem se o invocamos, quando se alimentam de nossos medos ou quando transferimos nossos poderes para eles. Fora isso, quem controla os momentos de paz onde vivemos somos nós, com nossas escolhas e ações!
Assim, no dia em que os democratas – guardiões do “demos kratos” – começarem a intervir [do Aurélio “tomar parte voluntariamente”] na realidade político-social de suas comunidades – não somente em época de eleição -, qualquer outro tipo de intervenção será esquecido. É momento de ensinar o caminho da paz para quem ainda não viveu a guerra, através da educação e da cultura. É momento de entender que as divergências políticas são bem-vindas quando visam, em suas discussões, proporcionar o bem ao outro, independentemente de quem o outro seja; e, nesse campo, o ódio e o fanatismo só atrapalham!
Vale lembrar ainda: política é todo dia, e, quando é feita tão somente de dois em dois anos, a chance de virar algo extremo é grande, pois se alia mais à paixão do momento do que à razão que ela exige cotidianamente!