Peço licença aos leitores para parafrasear Sá, Guarabyra e Rodrix em Sobradinho: “O homem chega, já desfaz a natureza / Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar / Vai ter barragem em Brumadinho / E o povo vai-se embora com medo de se afogar”.
Com essa canção profética, Sá, Guarabyra e Zé Rodrix previram que trabalhadores, o povo simples, seriam tragados pela lama e pela ambição desenfreada de lucro de empresas capitalistas – como veio a acontecer em Brumadinho com a Vale -, que não se importam com os seres humanos e também com o meio ambiente.
O problema não foi com as sirenes da Vale no Córrego do Feijão em Brumadinho, como afirmou a direção da empresa, o problema foi e são as sirenes do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. As sirenes dos poderes no Brasil estão constantemente danificadas! Mesmo que funcionassem, os ouvidos dos seus membros estão constantemente surdos.
Constata-se que as decisões técnicas das condições de uma barragem não são definidas pelos engenheiros daquela barragem e, sim, pelo setor financeiro da empresa, bem como pelo grupo de acionistas. Será que nos países onde atua a Vale, como no Canadá, no Chile, na Indonésia etc., ela tem os mesmos procedimentos que adota aqui no Brasil? Claro que não! Nestes países, “as coisas funcionam”!
Infelizmente, essas coisas acontecem no Brasil porque existe um verdadeiro conluio entre as empresas mineradoras e muitos políticos e governos brasileiros. Até a época em que havia financiamento de campanhas, elas “despejavam” milhões de reais em “seus” candidatos preferenciais. Segundo a BBC News Brasil, o documento oficial do projeto de lei proposto para o novo Código de Mineração foi criado e alterado no escritório de advocacia Pinheiro Neto, que tem como clientes, entre outras mineradoras, a Vale e a BHP Billiton. E o que é pior: o texto foi assinado pelo então deputado federal mineiro Leonardo Quintão (MDB), que foi o relator do código. De acordo com a BBC, nas eleições de 2014, ele recebeu R$ 2 milhões de mineradoras para a sua campanha. Obviamente que tudo isso indica uma “relação entre financiado e financiador” ou, como se diz no adágio popular, “é o mesmo que pedir ao bode para tomar conta do capim”!
Hoje presido o CBH Preto e Paraibuna, mas, quando aconteceu a “Tragédia de Mariana”, eu era vice-presidente do CBH Caratinga – Bacia Hidrográfica do Rio Doce – e pude acompanhar de perto os impactos socioeconômicos-ambientais praticados pela Samarco/Vale/BHP naquela região, matando 19 seres humanos! Imaginei que jamais crimes dessa magnitude iriam acontecer em Minas Gerais e, desgraçadamente, isso veio a acontecer no dia 25 de janeiro, três anos depois, em Brumadinho, matando 246 pessoas – 24 encontram-se ainda desparecidas – desfazendo famílias, patrimônios, sonhos…
Na Foz do Rio Doce (Regência, ES), como disse Luís de Camões, “vi, claramente visto” pessoas e crianças chorando sem entender o que estava acontecendo com as águas vermelhas do Doce, como se ele estivesse chorando lágrimas de sangue! E nesta área está o Tamar, maior projeto de preservação de tartarugas do mundo. Passados seis meses do que aconteceu em Brumadinho, outras pessoas e crianças choram, na região da Bacia Hidrográfica do Paraopeba, por este novo crime praticado pelos (i) responsáveis da Vale. E o que é pior: nenhum deles está preso. Basta de tanta impunidade neste país!
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