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A arte sensível de Milton Nascimento

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17 de março de 2018. Milton Nascimento volta ao palco do Cine-Theatro Central, em Juiz de Fora, com o espetáculo “Semente da Terra”, seu nome de batismo entre Guarani-Kaiowá, um dos grupos indígenas mais perseguidos e assassinados na história recente do Brasil.

Tudo o que puder ser redigido no espaço deste curto texto a respeito da apresentação de Milton Nascimento naquela quente noite de março, em terras juiz-foranas, estará, de algum modo, aquém da sua grandeza artística e poética. Durante o show, foi-me impossível resistir ao convite, expresso em cada canção, para o despertar do espírito ante a atemporalidade não só de uma voz, mas de um músico e compositor que, desde há muito, faz de si um ponto para o qual convergem feitios artísticos tão encantadores.

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Mas a beleza da apresentação de Bituca não se esgota no desfiar de seu cancioneiro. Ela esteve presente, igualmente, na sua clara demonstração de sensibilidade para com os problemas políticos e sociais enfrentados por boa parte da população brasileira. Em tempos de uma crescente onda de intolerância, ódio, discriminação e rancor professada publicamente contra os grupos pejorativamente chamados de “vitimistas”, a saudação às minorias de todos os tipos, feita pelo artista em pleno palco, foi como o gotejar de alguns pingos de água cristalina em meio a um lago parado, lodoso e pútrido.

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Como se não bastasse intitular seu show com um nome herdado de populações indígenas, Milton Nascimento “ousou” homenagear a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Pedro Gomes, recém-executados a tiros na cidade do Rio de Janeiro, dedicando-lhes uma de suas canções.

E como se isso não fosse o suficiente, Bituca “ousou” dividir o palco com uma cantora representante dos Guarani-Kaiowá, além de terminar sua apresentação convidando a plateia a contribuir com seu projeto de uma escola de música voltada para crianças daquela etnia. Emprego o verso “ousar” tendo em vista a possibilidade real de que boa parte da plateia que o assistia certamente se deleitou com a execução da vereadora carioca, tida como “defensora de bandidos”, assim como vê nos constantes genocídios perpetrados contra as populações indígenas brasileiras nada menos do que uma faxina necessária ao desenvolvimento econômico do país.

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Assistir a um artista da envergadura de Milton Nascimento (cuja arte simboliza ela mesma uma sensibilidade para com o outro, em todos os planos e sentidos) ser aplaudido por um bom bocado de gente que possivelmente nutre horror, indiferença e desprezo por tudo aquilo que ele defendeu abertamente no palco, por meio de suas canções e falas, chega a ser surreal. Mas a arte nos ensina. Naquele show, paralelamente ao deleite estético proporcionado por suas canções e por sua voz, (re) aprendi que, contra esse cortejo de horrores com o qual nos deparamos cotidianamente, a beleza da arte sensível e solidária de nomes como Bituca permanece servindo de um poderoso escudo de resistência.

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