Em 1958, na Copa da Suécia, o Brasil recebeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) o certificado de erradicação do Aedes aegypti no país. Pouco tempo se passou, e, enquanto ainda relembramos nossa vitoriosa campanha em gramados nórdicos, eis que aquele inimigo dito extinto ressurge impiedoso diante de nossa passividade.
Um paulista que fez seu curso de medicina no Rio de Janeiro de nome Oswaldo Cruz, em abril de 1903, inicia a campanha de combate à febre amarela urbana – mal que assolava a capital fluminense pelos idos de 1900, também vetorizado pelo Aedes. Ele também cria o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela, regulamentado em março de 1904, com a incorporação do pessoal médico e das turmas de limpeza da municipalidade.
A campanha foi estruturada em bases tipicamente militares: a cidade (com cerca de 800 mil habitantes) foi dividida em dez distritos sanitários, sob jurisdição das delegacias de saúde, cujo pessoal médico tinha a incumbência de receber as notificações, multar e intimar os proprietários de imóveis insalubres a reformá-los ou demoli-los.
Com o apoio das repartições centrais, que mantinham constantemente atualizados os mapas e as estatísticas epidemiológicas, as brigadas sanitárias do Serviço de Profilaxia (os mata-mosquitos) percorriam as ruas, lavando caixas d’água, observando ralos e bueiros, limpando telhados e calhas e removendo depósitos de larvas de mosquito. Além de utilizar medidas de coação, como a notificação compulsória dos casos da doença, Oswaldo Cruz usou todos os meios possíveis de persuasão – os Conselhos ao Povo publicados na imprensa, os folhetos educativos destinados à população e aos próprios médicos, a maioria hostil à nova profilaxia e refratária à notificação de seus pacientes à saúde pública.
Passados tantos anos, hoje parece não haver tanta mudança no modus operandi de uma considerável parte da população neste tema, caso contrário, não se vivenciaria o drama atual e que se repete de forma implacável.
Este resumo de pouco mais de um século mostra a única alternativa – antes das vacinas e dos mosquitos modificados geneticamente (possibilidades ainda um pouco distantes) – para enfrentar as epidemias de dengue e outras arboviroses que se sucedem.
E, diante dos quadros instalados, além do combate aos focos do mosquito e a atenuação dos sintomas dolorosos e desconfortantes na fase aguda da doença, torna-se imperativa a disseminação de que o risco maior desta doença está na desidratação. Desidratação esta com suas particularidades de sorrateiramente comprometer a economia do organismo e levar as pessoas a quadros gravíssimos.
Assim, o conceito da hidratação oral, de como fazê-la nas diversas faixas etárias e os sinais de alerta fáceis de serem identificados, pode significar a diferença entre as condutas mais e menos agressivas e, consequentemente, a diferença entre a vida e a morte. Repetir a experiência do uso do soro caseiro, que na diarreia infantil mudou a história da mortalidade entre as crianças pelas gastroenterites, é apenas um exemplo de como medidas simples – mas inteligentes – podem nos ajudar a enfrentar quadros semelhantes ao que agora enfrentamos.
É preciso apenas difundir a informação de como fazer esta hidratação, encorajar a proatividade no preparo e uso da hidratação, assim como da identificação dos sinais de alerta, e teremos, apesar da epidemia já instalada, a possibilidade de passar de forma mais atenuada por esta grave e ameaçadora doença.