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Um Papa

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Com as indicações a diversos prêmios cinematográficos, o belíssimo filme “Dois Papas” voltou a chamar a atenção do grande público e dar margem a muitas discussões. Houve quem esclarecesse o que era real e ficcional, houve quem destacasse as duas personalidades retratadas e as diferenças em suas visões eclesiais. Mas houve também duras críticas ao tom conciliatório e revisionista adotado, bem como ao abrandamento das tensões do período.

Na verdade, o que se representa é um fato inédito para a história recente da cristandade, o que gera muita especulação sobre como fica a relação entre os “dois papas” e, mais ainda, que papel assume o ofício inédito de “papa emérito”, criado por Bento XVI quando anunciou ao mundo sua decisão de renunciar, em 2013.

Em artigo recentemente publicado pela National Catholic Reporter, o historiador italiano Massimo Faggioli expressou sua opinião acerca desse fato, destacando que “não há como entender a evolução do ministério petrino, do ofício do Bispo de Roma como papa da Igreja Católica Apostólica Romana, sem entender a constelação de departamentos, ministérios, prelaturas e anexos eclesiásticos e seculares que giram em torno do Sucessor de Pedro”, a qual se soma esse novo ofício, criado em tempo real, sem qualquer processo ou tradição como referência.

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“Dito isso, a instituição do ‘emérito’ – que, de um ponto de vista eclesiológico, deveria se chamar ‘o Bispo de Roma Emérito’ e não ‘Papa Emérito’ – deu certo em grande parte até março de 2013. Bento e Francisco têm uma relação percebida como boa entre o público: nesse sentido, [o filme] “Dois Papas” captura algo real do intercâmbio que aconteceu na transição – complicada e inédita – de poder, uma transição simbolicamente não consumada ainda.”

“No curso desta transição prolongada, houve, nos últimos meses, dois incidentes de grandes proporções. O primeiro foi a publicação, em abril de 2019, de um longo ensaio, assinado por Bento XVI, que ‘explica’ a crise de abuso sexual na Igreja Católica. O segundo incidente foi o anúncio recente da publicação de um livro juntamente com o Cardeal Robert Sarah (…) Bento negou qualquer intenção de ser um dos autores do livro, segundo notícias veiculadas na imprensa, e solicitou ao editor que removesse o seu nome da capa. (…) O livro é uma defesa do celibato clerical na Igreja Católica e, evidentemente, uma resposta ao debate ocorrido na preparação e celebração do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, em outubro de 2019.”

“Tal é um incidente não por aquilo que o livro diz sobre o celibato clerical. (…) A questão não é nem sobre se é um ataque intencional contra o Papa Francisco. Objetivamente, a questão é a liberdade do Bispo de Roma em seu ministério, um ministério de unidade da Igreja, livre de interferência externa ou interna indevida.”
Já existe a regra etária (75 anos) para a renúncia obrigatória de todos os bispos ordinários, mas, por outro lado, “as regras para a renúncia de um Bispo de Roma, o papa, nunca foram debatidas, nem no Vaticano II”.

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“O problema com o ‘emérito’ é que o poder associado com o protagonismo na religião contemporânea, inclusive no ofício do Bispo de Roma, não é mais exclusivamente um poder religioso. É por isso que esse tipo de intervenção constitui uma forma ilegítima de pressão contra o único papa.” Não importa quais sejam as reais intenções, o que pode ocorrer é um enfraquecimento da unidade da Igreja.

“Este incidente ultrapassa os muros do Vaticano e as fronteiras invisíveis da virtualização do catolicismo na imprensa e nas mídias sociais. O simbolismo do ‘emérito’, a se retirar em um mosteiro no Vaticano, não foi significativo para aqueles católicos para os quais Bento XVI nunca, em verdade, se retirou. O ‘emérito’ prometeu oração e silêncio. Estes fiéis estão desobedecendo a Bento, ou Bento está desobedecendo a si próprio, ou, como agora parece provável, alguns prelados contrários a Francisco buscam ocultar suas conspirações no manto do emérito”, afirma o historiador.

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De certo, para os verdadeiros católicos, com todo respeito ao emérito, só existe um papa, e ele se chama Francisco!

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