Há quem diga que o chamado “Estatuto da família”, PL 6.583/2013, recentemente aprovado na comissão que o examina na Câmara dos Deputados, pretende ser um ataque contra vários dos direitos adquiridos, nos últimos anos, pelos homossexuais. Trata-se, na verdade, de algo muito mais grave, porque as famílias assentadas em uniões homoafetivas são apenas algumas das múltiplas formas pelas quais essas organizações nucleares que chamamos “família” podem tomar.
Exemplos corriqueiros não nos faltam, vários deles registrados, inclusive, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Aquela senhora viúva que, por aspiração própria, adotou (e se deixou adotar por) outras pessoas como seus filhos e filhas não constitui com esses e essas uma família? Amigos solteiros, reunidos sob o mesmo teto, não constituem eles mesmos uma família? Companheiros, homossexuais ou não, que não partilham o mesmo teto, com ou sem filhos, não constituem uma família? Como explicar para uma criança, filha de pais sem irmãos, que aquele tio ou aquela tia, por não ter laços de consanguinidade, não pode ser pensado e sentido como pertencente à sua família? Poderíamos ir mais além. Aquele senhor ou aquela jovem que optou por preencher o seu lar com animais de toda sorte não constitui com esses seres uma família?
O que é, afinal, uma família? Posta de lado a intolerância, verifica-se não haver um modelo único que satisfaça a indagação, como pretende o referido estatuto. A multiplicidade de arranjos familiares observáveis em todo o planeta é praticamente infinda, haja vista que a vida, na sua multiplicidade de arranjos afetivos, antecede as conceituações, sejam elas científicas, morais, políticas, etc.
Ora, um “Estatuto da família” realmente democrático será aquele o mais ampliado possível e que estenda ao máximo os benefícios legais a toda sorte de família. Talvez um “Estatuto das famílias”. Mas não apenas isso. Porque não é um “Estatuto da família” ou “das famílias” aquilo que deve ser a nossa primeira preocupação. Nossa primeira preocupação deve ser a de respeitar todas as formas de famílias, inclusive aquelas ainda por surgir, no seu direito de existirem enquanto tais. Devemos ver, em cada uma delas, o direito inalienável de nossos semelhantes de criarem laços afetivos com todos e quaisquer seres os quais lhes sejam importantes, algo muito distante do teor intolerante e preconceituoso que anima o PL 6.583/2013.