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A política do caos

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Ao entrar na sala para conversar com o presidente do Parlamento, logo de cara avisto uma grande fotografia de Nelson Mandela, estrategicamente posta atrás de sua larga cadeira, como se fosse a sombra idealizada por aquele gestor municipal. Para descontrair, pergunto o motivo da homenagem. Como resposta, o presidente afirma que herdou a foto de seu pai, político consagrado na região Sul, mas apenas sabe que Mandela é um líder africano conhecido mundialmente; seu pai disse que a foto passa credibilidade. Ele complementa sorridente: “O povo gosta dessas coisas de preto mártir. Meu pai sabe das coisas, foi vereador e prefeito em duas cidades diferentes do Sul do Estado Novo. Após perseguição política, foi acusado de desvio de verbas e, infelizmente, foi preso no Mato Grosso (após meses foragido). Faltava pouco para laçar sua candidatura ao cargo de prefeito do maior município do Estado Novo e, depois, talvez para vice-governador desse Estado. Não deu tempo. A prisão dele abortou nossos planos”.

Nesse momento, curioso, interrompo sua fala e questiono, até mesmo por uma questão de logística, o motivo da escolha pela candidatura de um município tão distante do Sul do Estado Novo e das raízes daquela família de velhacos. O presidente simplesmente relata que lá é mais tranquilo fazer política: “Muita gente pobre, bairros populosos, o pessoal é humilde, dá para entrar fácil, à semelhança dos municípios do Sul pelos quais meu pai já foi eleito”. Questiono: e Vossa Excelência, presidente, o que almeja? “Pretendo ser prefeito no próximo ano, só preciso juntar um milhão e já estou eleito.”

Nesse momento, percebo que estou conversando com um ser que se alimenta da essência vital das criaturas vivas. Não por acaso, lembro dos que utilizam os meios de comunicação para defender que somente com altos investimentos em educação é possível transformar o Brasil. No passado, não conseguia compreender, na prática, a profundidade daquelas frases feitas que se repetiam principalmente no período eleitoral. O que antes era um “lugar comum” da oratória política, agora, está tão claro que me sinto embaraçado.

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O relato que acabo de presenciar denota a estratégia ardilosa de quem sabe explorar as mazelas do povo. Mais do que isso, de um tipo de gestor público que pratica a política do caos (conscientemente) e usa a máquina pública para estender a mão no momento em que a desordem social está instalada, passando-se por “salvador da pátria”; um oportunismo barato quase imperceptível por quem sofre com a completa ausência do Estado. Seguramente, oferecer bons serviços à população não é a receita de quem precisa transformar o eleitor-cidadão numa espécie “cliente dependente acéfalo”. Pelo contrário, quanto pior, melhor. Não se engane: cria-se a doença para depois, em regime de monopólio, oferecer a cura.

Reflito: uma política educacional de qualidade, aliada à presença de oportunidades de emprego, é, sim, a solução para a extinção dos homens públicos que se dizem representantes do povo, todavia estão deteriorados por reiteradas atuações corruptas. Esse tipo de gestor sabe disso, acreditem, e está preparado para deixar tudo como está. Os mais experientes figurões parafraseiam Cazuza, ironicamente: “Para que mudar quando é mais fácil ganhar dinheiro transformando o país inteiro num puteiro?”. E ainda dizem por aí que vampiros não existem. Não só existem como também andam à luz do dia. Diante do exposto, você, nobre leitor, consegue enxergar as coisas como elas são? Caso não consiga, não se preocupe; o óbvio somente é óbvio para a mente preparada. No mais, somos iguais em desgraça, vamos cantar o blues da piedade.

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