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Museu Rodoviário

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Marco Aurélio Corrêa Martins, professor

Cresci, até os 8 anos de idade, na rua ao lado do Museu Rodoviário em Mont Serrat. A rua não tinha luz e era parcialmente iluminada pelas luminárias externas do Museu. Nosso último tempo na rua era inexoravelmente até as 20h. Não havia prorrogação! A rua não tinha calçamento, mas a esquina dividia a terra batida com um tipo de calçamento betuminoso, o qual derretia sob o sol de verão. Gostávamos de levantar aquela gosma preta com pedaços de galhos secos para desespero das nossas mães. A rua era curta e sem saída, e nossa vitrine era a esquina, onde podíamos ver o movimento da estrada que ligava o Rio de Janeiro a Brasília. Um dia, veio a iluminação da rua, mas o apagar das luzes do museu continuou o mesmo.

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Guardávamos uma relíquia de 1972, um chaveirinho dourado com a carruagem Mazzepo em alto relevo, e sentávamos na calçada que circundava o museu. Vez ou outra, meu pai nos levava, a mim e a meus irmãos, lá dentro, e a única história da qual me lembro era a da subida da Serra das Abóboras pavimentada por pedras onde ele um dia nos levaria para ver de perto. Enquanto aguardávamos esse dia, o qual nunca chegou até o presente, contentávamos em ver aquele cantinho dentro do museu onde se reproduzia o tipo de calçamento, o qual supúnhamos, e nos dizia nosso pai, era igual àquele. Sempre nos dizia que esse caminho de pedra fora construído por escravos. Contrastando com o que li muitas vezes, já adulto, pesquisador, dizerem que a estrada da Cia União e Indústria não foi construída com uso de força cativa. Acho que ninguém mais crê nisso e eu já sabia desde a meninice da participação escrava ali.

Durante um tempo, havia no salão do pavimento superior um “autorama”. Não me lembro quando podíamos ir até ele, mas vivíamos a expectativa de podermos subir aquelas escadas e nos sentar em torno daquele objeto do desejo e curtir, nem que fosse por alguns minutos, olhar os carrinhos correrem. Não me lembro de tê-los feito correr uma única vez, apenas de observá-los, parados ou a correr. Um dia, eles foram embora, não sei o porquê, nem para onde…

A roupa de mergulhador com escafandro ficava no exterior do museu. Encostado em uma das paredes laterais. Era o terror de uma das primas, e por isso o visitávamos bastante. Perambulávamos por entre objetos de que sequer me lembro. Não sabíamos o que eram. Por exemplo, aquelas enormes máquinas com rolos imensos, nos diziam que era para amassar asfalto. Havia uma demonstração da pavimentação usada na estrada desde o seu início. Mas aquelas máquinas, diziam, eram movidas a vapor. Eu não fazia ideia sequer do que estavam falando sobre ser movido a vapor.

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Eu lia as frases de para-choque que ficavam voltadas para a rua. Não entendia lhufas do que diziam. Perdi o interesse nelas. Nem nunca mais as li, nem quando talvez eu pudesse entendê-las. Coisa estranha escrever no para-choque! Os caminhões passavam muito rápido, como eu ia ler o que estava escrito se eu mal começara a juntar as palavras? Talvez pensar que esse “rápido” era menos do que 60km/h, hoje, pode parecer risível. Mas nosso desafio em transitar por ali era a estrada muito movimentada já naqueles meados dos anos 1970, tínhamos que ir à escola espremida no barranco entre o rio e a Ponte do Paraibuna. Ficávamos esperando no posto de gasolina ao lado o ônibus de Juiz de Fora que nos trazia nossas professoras. Eram apenas duas, mas ambas de Juiz de Fora. Também tínhamos que atravessar a ponte para buscar leite na fazenda do outro lado do rio ou era preciso atravessar a rodovia para pegar o ônibus para Juiz de Fora, ou desembarcar do ônibus de Três Rios, o que mais utilizávamos.

Lembro-me bem do nosso alvoroço infantil com a chegada de dois ônibus estranhos no museu. Eles tinham a frente como a de caminhões. E eles funcionavam perfeitamente. Lembro-me levemente de termos entrado neles para um movimento. Foram posicionados de duas ou três maneiras diferentes para a minha rua. Aquilo era um encantamento. Aliás, todo o encantamento daquela infância era olhar a estrada e seus carros, caminhões e ônibus (meus preferidos) e admirar o prédio do museu. O trem passava do outro lado da rodovia e além do outro lado do Rio Paraibuna.

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Gostava da beleza do museu e da igreja, mas elas eram sempre emolduradas pela Pedra do Paraibuna. É como digo às minhas filhas quando passo por lá: eu era sapo embaixo dessa pedra! Mas eu gostava de olhar o morro com suas árvores floridas. Hoje elas não existem mais… Ali comecei a lacrimejar sempre que ouço badalo de sino, apito de trem, Ave Maria ou banda de música.

Meu pai foi trabalhar na construção da nova rodovia. E, com a nova situação econômica familiar, fomos morar em Três Rios, de onde vim para Juiz de Fora dez anos depois. Vim reencontrar a história de uns bisavós italianos que começaram por aqui. Mas isso já é outra história.

Ler a reportagem da Tribuna sobre o museu, sobretudo ver aquelas fotos publicadas, arrasa o coração. Elas parecem tentar me obrigar a aceitar uma verdade que vou morrer recusando: os vestígios da minha origem estão apodrecendo. Se os vestígios do Brasil morrem, quem se importa?

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