Em artigo publicado na Revista Espírita de novembro de 1858, Allan Kardec, o fundador do Espiritismo, abordava um tema que, na atualidade, muitos espíritas temem e fogem: a polêmica. Contudo o bom senso de Kardec demonstra os limites e as possibilidades dessa questão em termos claros e precisos.
Inicialmente, fica evidente que nem toda polêmica é tolerada e mesmo alimentada por Kardec, notadamente aquela que “pode degenerar em personalismo”, fato que, além de causar-lhe repugnância, tomar-lhe-ia tempo inutilmente e não atenderia aos interesses dos leitores da revista, cujo objetivo era a instrução, e não o sensacionalismo. A conclusão de Kardec é que, uma vez nesse caminho, nesse propósito, “o Espiritismo só teria a ganhar em dignidade”, jamais dando “satisfação aos amantes de escândalos”.
No entanto, segundo Kardec, “a discussão séria dos princípios que professamos” seria a única polêmica útil que valeria a pena ser estimulada e desenvolvida, desde que não motivada por “ataques gerais, dirigidos contra a doutrina, sem um fim determinado, além do de criticar, e se partem de pessoas que rejeitam sistematicamente tudo quanto não compreendem”, além daqueles que falam “sem conhecimento de causa e sem se ter dado ao trabalho de aprofundar-se”.
Para Kardec, o debate sério sobre o Espiritismo seria interessante e produtivo com as pessoas que pelo menos se dispuseram a estudá-lo, sem a pretensão de terem esgotado o assunto, mas que tenham o firme propósito de esclarecerem-se, apresentando “objeções de boa-fé”.
Importante ressaltar que, nesse sentido, Kardec, por modéstia, dever de consciência e honestidade intelectual, atesta não ter a pretensão de “resolver todas as dificuldades” apresentadas por eventuais interlocutores, pois, além da ciência espírita ser um saber inacabado e em construção, confessa, “sem nenhum acanhamento”, a própria “insuficiência sobre os pontos que ainda não” tem condições de explicar.
Sempre com o fim de proporcionar esclarecimento, “venha de onde vier”, Kardec aponta o terreno da discussão, do debate e da argumentação livre como meio de empreender e sustentar a polêmica útil, em cujas “perguntas e objeções constituem outros tantos assuntos de estudo”, em que a opinião pessoal de quem quer que seja jamais deverá ter a pretensão de se impor, submetendo-se ao crivo da demonstração lógica, racional e coerente das ideias.
Neste momento, permita-me algumas provocações: o movimento espírita está disposto a aplicar essas recomendações de Kardec? Nós espíritas estamos preparados para realizarmos “a discussão séria dos princípios que professamos”? Há disposição de nossa parte quanto a isso? Em que medida, nos grupos de estudo, palestras etc., ainda prevalecem o personalismo e a perda de decoro? Como superar isso? Os espíritas estudam, conhecem e vivenciam os princípios, fundamentos e valores da Doutrina Espírita? Reflitamos.
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