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A liturgia do cargo

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A reunião ministerial do governo Bolsonaro realizada a 5 de julho de 2022, que veio a público dias atrás, impressiona sob vários aspectos. Antes de tudo por evidenciar que se cogitava de um golpe de Estado para atropelar a eleição presidencial, a pretexto de que o resultado dessa poderia ser fraudado em favor do adversário. Mas também por revelar o nível em que transcorreu, com o próprio presidente proferindo palavras de baixo calão e o assunto sendo discutido sem observância do mínimo de austeridade exigível em reuniões do gênero. Aliás, o mesmo já se observara quando o Ministério se reuniu, a 22 de abril de 2020, em plena pandemia, supostamente para tratar de assuntos a essa relacionados, mas só cuidou de temas menores e de forma até escabrosa: o ministro da Educação externando o desejo de que juízes do Supremo Tribunal fossem presos; a ministra da Mulher insinuando o mesmo em relação a governadores; o ministro do Meio Ambiente propondo que se aproveitasse a ocasião para “fazer passar a boiada”, longe das exigências mais rigorosas de sua área. O que se viu em ambas as reuniões foi algo a que, pessoalmente, jamais assistira, ao longo de uma vida de intensa participação em reuniões de interesse coletivo, desde os tempos da política universitária até os muitos anos de atuação no Conselho Federal da OAB.

Ora, no círculo de um ministério, como no recinto de um tribunal, há uma linha de postura a observar, um cerimonial a seguir, aquilo que, por analogia aos ritos eclesiásticos, se tem chamado de liturgia do cargo. No meio forense, existem um protocolo e formas de relacionar-se (o uso das vestes talares; o tratamento cerimonioso reciprocamente dispensado entre os protagonistas de uma sessão ou audiência; a forma de divergir, em geral com a ressalva contida na expressão latina data venia), nem sempre compreendidos pelos leigos, mas que visam a lembrar os participantes do ato que a missão por eles ali exercida é maior do que a sua pessoa ou que eles são, no caso, meros atores de um papel especial inerente às respectivas funções. Evita-se, dessa forma, que eventuais divergências degenerem em atritos. Ainda assim, às vezes ocorrem discussões acaloradas, até mesmo na nossa mais alta Corte de Justiça.

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A democracia pressupõe respeito à Constituição e às leis. Mas é também produto da civilização. Quando as mais altas autoridades da República perdem o decoro, a democracia, só por isso, se vê abalada. As fraturas então expostas pelas instituições acabam por refletir-se na confiança dos cidadãos. Mais do que nunca se vê como carecemos de uma educação política que somente a revitalização dos partidos será capaz de proporcionar-nos, revelando novos líderes, à altura dos cargos que venham a ocupar.

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