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Ministro ‘terrivelmente evangélico’

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O presidente Jair Bolsonaro, durante um culto evangélico na Câmara dos Deputados, fez uma promessa aos presentes de que irá nomear para vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro “terrivelmente evangélico”. A indicação poderá ocorrer em novembro de 2020 em virtude da aposentadoria do eminente ministro Celso de Mello, que completará 75 anos.

É até certo ponto compreensível a manifestação de vontade do presidente, pois é fruto da sua constitucional liberdade de expressão e pensamento, fazendo coro com parte do seu eleitorado pertencente ao segmento evangélico. Mas a palavra terrivelmente pode ser associada a um evangélico?

Terrivelmente é advérbio de modo do adjetivo terrível que significa “aquele que causa terror”, “que produz resultados funestos”, “estranho”. Talvez o presidente quisesse utilizar um termo que impactaria a qualidade daquele que será indicado, mas infelizmente a colocação não foi das melhores, visto que esta expressão se contrapõe com as qualidades de um discípulo de Jesus Cristo. São Paulo, apóstolo, em sua Carta aos Colossenses 3.12b, apresenta algumas características de um discípulo, sendo aquele que possui “profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência”. Tais atributos não se coadunam com aquele que é terrível.

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Então, qual seria o real motivo para o presidente Jair Bolsonaro pretender indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para ocupar uma cadeira no STF?

Podemos presumir que seja em virtude do crescente ativismo judicial por parte do STF nos últimos anos, em especial, sobre questões morais de impacto social. A ideia do ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes (Legislativo e Executivo). O procurador do município de Salvador (BA), dr. Gustavo Hasselmann, define o ativismo judicial como um “fenômeno recorrente nas democracias contemporâneas, consistindo ele na interpretação proativa, audaciosa e criativa da Constituição pelo Judiciário, de modo a sanar as omissões ou mora dos outros poderes, notadamente do Legislativo, na edição de seus respectivos atos normativos”.

Assim, em se tratando de inércia legislativa, o Poder Judiciário vem surgindo como uma resposta para a sociedade, fazendo com que sejam emanadas novas decisões para preencher lacunas deixadas pelo Poder Legislativo. A título de exemplo, temos o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão 26, onde o STF enquadrou a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei 7.716/89 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional.

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Em razão deste ativismo judicial, talvez seja o pensamento do presidente Jair Bolsonaro nomear uma pessoa “terrivelmente evangélica” para a vaga que surgirá no STF a fim de influenciar a Suprema Corte por sua condição de religiosa. Essa ideia, com toda licença aos pensamentos contrários, apenas contribuirá ainda mais com o ativismo judicial. O que se espera é que tenhamos juízes que respeitem e se balizem pela Constituição Federal e que não sacrifiquem o sistema de separação de poderes que rege a democracia brasileira, professando uma religião ou não. E que a retidão corra como um rio, a justiça como um ribeiro perene.

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