O Relatório Mundial do Human Rights Watch de 2022 aponta aumento nos ataques à democracia no Brasil somados a problemas de garantia aos direitos humanos, que não é novidade em um país com quase 300 anos de escravidão e, ao longo do século XX, pelo menos duas ditaduras. As marcas desse autoritarismo permanecem em carne viva, e isso se vê todos os dias. A questão é que o Governo Bolsonaro consegue tornar essa ordem de coisas ainda pior: ele a autoriza. A despeito de um total descaso com a vida e o investimento de tempo e dinheiro públicos em teorias conspiratórias, o presidente age de duas formas muito perigosas para o coletivo.
Ao defender suas fantasias, ele autoriza de modo simbólico um discurso antirracional, moldado muito mais por moções afetivas do que críticas. O “mito” resgata aqueles comportamentos mais primitivos e que temos, como cultura, nos esforçado para combater e domar. Dessa cosmovisão paranoica tenta-se criar a figura de um indivíduo do povo, perseguido, que fala em coletivas de imprensa sobre ter transado de manhã com sua esposa ou dá cavalos de pau em uma pista de kart. Culturalmente, Jair Bolsonaro erige uma religião ao pulsional recalcado e reprimido, mas presente.
Do ponto de vista institucional, Bolsonaro corrói a democracia brasileira ao dar espaço em sua liturgia para o obscurantismo. Por meio de vários atos infraconstitucionais – decretos e medidas provisórias -, ele solapa diariamente os dispositivos democráticos, criando aberrações administrativas como um Sergio Camargo na Fundação Palmares, Mário Frias como secretário da Cultura ou um Queiroga como ministro da Saúde. Não há revogação constitucional – pelo menos ainda não -, antes, um emporcalhamento da Governança. Esse é o autoritarismo bolsonarista.
Em abril de 2020, numa entrevista, Bolsonaro afirmou: “Eu sou a Constituição”, o que ele nunca foi e nunca será. É contra isso que lutarão em 2022 todos os democratas. Custe o que custar.