A retomada parcial das obras da BR-440 levanta mais uma vez o debate sobre a necessidade desse projeto, bem como os impactos socioambientais que já ocorrem em função de sua execução. O acordo firmado entre o Dnit e a Semad autorizou a continuação das obras na galeria de canalização. A proposta original da rodovia BR-440 consiste em criar uma estrutura viária para interligar a BR-267 à rodovia BR-040, obra que já foi, inclusive, interrompida pelo TCU e que possivelmente ainda enfrentará dificuldades nas questões ambientais e jurídicas, pois trata-se de uma rodovia federal a ser implantada em perímetro urbano.
Até o momento, um dos problemas que nos preocupa é o processo de canalização, que suprimiu o córrego São Pedro da paisagem urbana da Cidade Alta. No passado, córregos e rios já tiveram uma convivência mais integrada com as cidades. Mas o crescimento desordenado do tecido urbano, a eliminação das matas ciliares, o assoreamento, a impermeabilização do solo e o lançamento de esgoto prejudicaram a qualidade das águas urbanas e tornaram mais frequentes as inundações.
Para resolver esse problema, o pensamento mais recorrente tem se apoiado no princípio de aumentar a velocidade de escoamento das águas precipitadas, através da implementação de medidas de controle estrutural como a retificação e a canalização dos cursos d’água em estrutura fechada (galeria), na qual o rio é suprimido da paisagem. Em geral, implanta-se uma avenida ou uma rodovia sobre ela. Essas reformas estruturais afastam o risco de inundações.
Por outro lado, ao escoar mais rapidamente os volumes precipitados, o problema é transferido para os trechos não canalizados a jusante. As intervenções em canais fluviais geralmente têm negligenciado a complexidade da drenagem em área urbana e reforçam a tese equivocada de que, através da tecnologia, a natureza pode ser modificada aleatoriamente — tecnocentrismo.
Um projeto como o da BR-440 demandaria estudos mais aprofundados e detalhados de impactos ambientais, que, inclusive, pudessem considerar outras alternativas ao traçado, uma vez que irá dividir o bairro ao meio e se aproximará perigosamente das margens da represa de São Pedro. Porém, com a canalização praticamente concluída e a incerteza de finalização da obra, defendemos duas propostas. A primeira, de menor custo, seria a municipalização do trecho já construído para inseri-lo à malha urbana e garantir mais segurança no trânsito e espaços para lazer, práticas esportivas e caminhadas. A segunda proposta é mais radical, pois nela defendemos a recuperação do córrego São Pedro. Seria possível?
Recentes experiências com águas urbanas em países da Europa e da Ásia atestam que sim. A solução passaria por uma reestruturação que combine a descanalização com a revitalização do córrego, mesmo sabendo que não conseguiríamos um retorno às condições ambientais e ecológicas originais. No entanto, com a melhoria da qualidade das águas e ações de recomposição paisagística, teríamos a reintegração sustentável do córrego à paisagem da Cidade Alta. Seria uma oportunidade para aprimorar a gestão das águas urbanas no município e reconstruir uma nova relação entre a sociedade e os recursos hídricos.
São projetos que exigem ousadia política, recursos financeiros, conhecimento profundo e integrado das condições hidrológicas e socioambientais e, sobretudo, uma mudança de paradigma na engenharia de intervenção em drenagens urbanas. Reitero que a questão é complexa e demanda uma tomada de decisão não trivial. Estamos certos de que o projeto original deve ser interrompido para que a gestão municipal e a sociedade organizada encontrem uma solução mais adequada às reais necessidades do município.