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O caso Gal Costa e a definição de união estável no Brasil

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Desde a morte de Gal Costa, em novembro de 2022, a sensação que se tem é que a cada dia se levantava um véu que cobria a sua vida pessoal e familiar. Esse desnudar da vida de Gal transita entre o fascínio que a artista adorada desperta e a curiosidade vil e mórbida que movimenta a indústria dos cliques.

A morte de Gal Costa envolve discussões sobre a natureza de seu relacionamento com sua empresária, sua eventual abusividade, um filho adotivo exclusivo, a disputa entre os dois e a possibilidade de, apesar de uma carreira consolidada e do sucesso inegável, que seu espólio seja um acumulado de dívidas.

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Ocorre que nas últimas semanas essa história alcançou seu clímax. Wilma Petrillo e Gabriel Costa concederam entrevistas ao programa dominical de maior audiência do país, trocando insinuações, colecionando deboches e, especialmente, expondo a intimidade de uma mulher que cuidou de entregar ao público somente seu talento – e que talento.

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É certo que a vida íntima de Gal deveria ter continuado preservada e suas vulnerabilidades não deveriam ter sido expostas. Mas a disputa entre Wilma e Gabriel, que jura que a empresária não era companheira de sua mãe, nos impõe uma discussão urgente: afinal de contas, o que é a essência de uma união estável apta a gerar efeitos jurídicos de família?

Porque dizer, simplesmente, que as escolhas de viver como família são do âmbito exclusivo da intimidade é uma resposta limitada quando o Estado, por meio do Direito, dá às famílias efeitos patrimoniais, sucessórios e previdenciários. Para atribuir essas consequências, é preciso dizer o que é ou o que não é união estável.

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Chama a atenção que, apesar de as manchetes dizerem que a viúva de Gal seria entrevistada, no vídeo, Wilma Petrillo é apresentada como empresária e ex-sócia da cantora. Faz diferença? Claro que faz. Se for viúva, pode ser meeira, herdeira, ter direito real de habitação no imóvel. Se for empresária, não tem qualquer participação no inventário.

É notório, ainda, que Wilma, em momento algum, refere-se a Gal como esposa ou companheira. Ela se limita a dizer que “morou com Gal por mais de 20 anos” e que a cantora a amava demais. Gabriel, por sua vez, relata que “todos os dias elas brigavam feio”.

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Morar junto não é condição definidora de união estável. Tampouco o é o amor. Há quem ame sem correspondência e há uniões sem amor. Seria, então, o respeito, afastando, portanto, dessa categoria, as relações abusivas? Não. Há uniões estáveis permeadas de violência doméstica, infelizmente.

Apesar de visões bastante românticas sobre a natureza das relações abarcadas pelo Direito de Família, entendo que a essência da união estável é a sua publicidade e da ostentação social da condição de família. Aquilo que está exclusivamente na esfera da intimidade, sem a publicidade do registro e outros documentos públicos, e sem a partilha social do objetivo familiar, muito dificulta – quando não inviabiliza – o reconhecimento da condição de união estável apta a todos os efeitos jurídicos.

Por isso, essa postura de Wilma ao longo de décadas de se apresentar como empresária e sócia de Gal é frontalmente contrária ao seu objetivo, hoje publicizado por um processo judicial, de ter reconhecida uma união estável com a cantora. Ter sido amada por Gal pode não bastar.

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Veja que não se pretende obrigar ninguém a sair do armário. Sabemos os desafios que as relações entre pessoas do mesmo sexo trazem. Mas temos que reconhecer que a mão do Direito não consegue alcançar o que é escondido, secreto, inominado e não documentado. Porque, simplesmente, podia não ser.

Por fim, que fique muito claro: a exigência da publicidade da condição de família em vida em nada se confunde com uma pressão de devassa na vida privada depois da morte. Se Gal e Wilma eram ou não eram companheiras é uma questão a ser solucionada no processo que corre em segredo de justiça e quem tem legitimidade para esse questionamento é Gabriel. Nada justifica a exposição da vida íntima dessa artista consagrada.

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