“Tirem as mãos da África!” O slogan, gritado pelo Papa Franciso em seu encontro com as autoridades e a sociedade civil, logo que chegou a Kinshasa, capital da República Democrata do Congo, em 31 de janeiro passado, sintetiza com certo vigor o sentimento daquela que poderia ser sua viagem mais geopolítica. Adiada por questões de saúde, a visita do Papa ao Congo e ao Sudão ocorreu em um momento particularmente delicado para os dois países. No grande Estado centro-africano, assolado pela instabilidade política e pela pobreza endêmica – embora seja o mais rico em matérias-primas do mundo -, pesa a dramática situação do leste onde atuam mais de cem milícias e ocorrem massacres, assassinatos e sequestros todos os dias.
No Sudão, o país mais jovem do mundo, apesar do acordo de paz de 2018, ainda existem vários focos de guerra que, juntamente com secas e inundações, causaram 2,2 milhões de deslocados internos e 2,3 milhões externos numa população de 11,5 milhões. Em sua passagem pela África mais empobrecida e sofrida, o Papa, além da evidente dimensão pastoral, deu a impressão de querer atacar os temas políticos. “Parem de sufocar a África: não é uma mina a explorar nem um solo a saquear. Parem de enriquecer com o dinheiro sujo de sangue” – tocou num dos principais temas que explicam a situação de subdesenvolvimento em que ainda se encontram muitos países africanos.
O jornalista italiano Luca Attanasi publicou no site Domani um artigo onde afirma que foi preciso a viagem de um Papa para colocar a África de volta no centro das atenções do mundo. A grande maioria dos dois países, de fato, possui infinitos recursos e riquezas que poderiam permitir que as populações vivessem em bem-estar e paz por milênios. Pela perpetrada exploração operada pela Europa e por novos atores, em perfeita continuidade com o colonialismo, não só os africanos não se beneficiam plenamente como se tornam vítimas dos apetites predatórios externos.
O confronto com as vítimas de 1º de fevereiro foi, sem dúvida, o coração da primeira parte da viagem papal. Jogou ele, sua comitiva e a mídia dentro da terrível crueldade da guerra, naquele “genocídio esquecido que a República Democrática do Congo está sofrendo” que causou cerca de dez milhões de mortes desde meados da década de 1990 até hoje. Um massacre totalmente ignorado pela comunidade internacional.
E é sobre esse tema que se centrou uma nova intervenção puramente política do Papa. Na frase “como eu gostaria que as mídias dessem mais espaço a este país e a toda a África!”, pronunciada na nunciatura de Kinshasa, o Papa denunciou a absoluta indiferença do mundo ocidental em relação ao continente, uma entre as primeiras causas da perpetração de conflitos e condições favoráveis a focos. No Sudão do Sul, o Papa deu continuidade a uma estratégia política pessoal iniciada anos atrás. O país predominantemente cristão, que se tornou independente do Sudão islâmico em 2011 e vive uma terrível guerra civil desde 2013, é seu tema fixo. “Chega de derramamento de sangue, chega de acusações mútuas”, disse o Papa em retiro em Roma, em 2019, com líderes da região. Em sua passagem pela África, desinteressado pela exploração de recursos, recoloca a África no centro da agenda internacional, com seus conflitos, suas pobrezas, assim como suas infinitas riquezas, as belezas e os direitos desrespeitados por séculos.