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Leituras: usos e abusos

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Recentemente o Papa Francisco endereçou uma carta para formação sacerdotal, dos agentes de pastoral e de qualquer cristão, sobre “o papel da literatura na educação”, na qual demonstra uma visão positiva de romances e poesias de diferentes autores, temas e épocas. Citando vários escritores, ele utiliza de diferentes argumentos para dizer que os livros são fontes de enriquecimento pessoal e que o contato com diferentes histórias pode nos ajudar a compreender uns aos outros.

Em seu artigo sobre essa relação do pontífice com a literatura, Ludmilla Rios (Nexo Jornal) afirma que a carta “chama atenção para a função que a leitura exerce na nossa educação, nosso contato com o conhecimento e nossa capacidade de lidar com problemas e frustrações. (…) No entanto, para o Papa Francisco, o valor do contato com o mundo literário não está apenas na sua utilidade, está também na forma como, através de diferentes leituras de mundo, somos levados a conhecer o que nos cerca e, além disso, conhecer a nós mesmos”.

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Segundo o papa, nas palavras é preciso colocar significado e interpretações pessoais. Assim, “ao ler um romance ou uma obra poética, o leitor experimenta efetivamente ‘ser lido’ pelas palavras que vai lendo”. Trata-se, portanto, de uma prática de “olhar com os olhos dos outros que serve de instrumento não de domínio, mas de escuta incessante”.

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Muito relevante que Francisco faça essa apologia à literatura, dada sua própria experiência como docente de literatura e seu gosto pessoal pela formação de leitores, mas também por ser o líder religioso de uma das maiores igrejas cristãs. De fato, os historiadores das religiões usaram durante décadas um rótulo que unifica as três grandes e mais difundidas religiões monoteístas mediterrânicas (judaísmo, cristianismo, Islã): religiões do Livro. Não seria precisamente esse um critério relevante para o diálogo inter-religioso entre essas religiões? Diálogo esse muito necessário para encontrar os caminhos para paz na terra onde se entrelaçam!

“Judaísmo, cristianismo e Islã – precisamente as comunidades do Livro (Ahl al-Kitab) – são os três ramos de uma única e grande tradição abraâmica, compartilhando a fé na revelação de um Deus único, transcendente e, em sua essência, incognoscível apenas por meio dos caminhos da percepção e da razão”, nos lembra Dom Vincenzo Bertolone.

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A cultura judaica considera central o Livro da aliança: “Pegou o livro da aliança e o leu para o povo. Eles disseram: ‘Faremos tudo o que Javé mandou e obedeceremos'” (Ex 24,7). E os cristãos fecham suas escrituras sagradas, lendo a profecia do vidente de Patmos: “Vi depois um livro na mão direita daquele que estava sentado no trono. Era um livro escrito por dentro e por fora, e estava lacrado com sete selos” (Ap 5,1). Além disso, “Alcorão, em árabe al-qur’ãn, significa ‘leitura’: uma leitura em voz alta, mais próxima da ideia de proclamar ou de pregar do que de ler em seu sentido mais corrente. Essa leitura é também um texto, um livro ou, melhor, o livro por excelência (al-kitâb)”.

Portanto, a prática da leitura nos traz muitos benefícios, e poderia inclusive nos livrar a todos de muitas tragédias. Aos cristãos, o Papa recomenda a literatura e, claro, a leitura do Livro central da nossa fé, que é a Bíblia, como um uso diário que faz o bem. Ademais, estaríamos também mais despertos para os abusos que também algumas leituras fazem ao citar trechos ou frases desconexas… Historicamente, a Bíblia já foi usada para justificar escravidão, guerras, matanças, invasões, conquista de territórios, ditaduras e golpes… e até mesmo demissões.

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“Não podemos renunciar à escuta das palavras que nos deixou o poeta Paul Celan: ‘Quem realmente aprende a ver, aproxima-se do invisível'”, conclui Francisco.

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