O Supremo Tribunal Federal, nos últimos tempos, tem sido alvo de críticas e incompreensões, exatamente por cumprir, com galhardia, seu papel de Corte Constitucional, servindo de esteio às instituições democráticas. Por isso, os insanos que protagonizaram os atos de barbárie do dia 8 de janeiro último não o pouparam.
Mas aquela alta Corte não se exime de críticas com relação a decisões recentes que proferiu fora desse contexto. A de consequências mais graves foi a que fez tábula rasa da coisa julgada (uma garantia constitucional), em questões tributárias e previdenciárias, a pretexto de fazer prevalecer a declaração de constitucionalidade de uma lei sobre decisões de outras esferas da Justiça que tinham dispensado empresas do recolhimento das contribuições sociais, atribuindo, assim, de forma radical, eficácia ex tunc (isto é, desde então ou desde o início da vigência da lei questionada) à sua decisão. Com isso, deu-se o dito por não dito, e as empresas antes beneficiadas por decisão em sentido contrário terão, agora, que recolher tributos atrasados, em montante considerável. A segurança jurídica, um dos valores fundamentais do direito, foi, dessa forma, violada, e a confiança dos jurisdicionados na Justiça ficou, em consequência, abalada.
Outra decisão surpreendente (ainda que compreensível) foi a que, invocando poderes atribuídos ao juiz, pelo Código de Processo Civil, para adotar medidas destinadas a assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestações pecuniárias, considerou legítima a apreensão de passaporte ou de carteira de habilitação de motorista (não profissional), nas execuções a que o respectivo portador responda, por dívidas líquidas e certas. Medidas coercitivas ou constritivas, no sentido de garantir o pagamento, que não incidam estritamente sobre bens do executado, não eram, até então, admissíveis. O princípio sempre seguido é o de que a execução não deve impor ao executado gravames desproporcionais ou que extrapolem o cumprimento da obrigação. Por isso, somente no caso excepcional do devedor de alimentos se admite a prisão por dívida. Decisão do próprio STF, com base no Pacto de São José da Costa Rica, afastara essa possibilidade até mesmo na hipótese do depositário infiel, embora a Constituição a autorize, tanto quanto na situação anterior (Const., art. 5º, LXVII).
Por último cumpre referir a decisão (unânime) sobre a chamada linguagem neutra, que uma lei do Estado de Roraima pretendeu proibir nas suas escolas. O Supremo entendeu que, sendo da União a competência privativa para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (Const., art. 22, XXIV), essa lei seria inconstitucional. Trata-se, com todas as vênias, de um argumento enviesado. Invocando-se regra de competência, o que se quis foi atingir o mérito da disposição legislativa, para não ir de encontro ao que, supostamente, já teria caído no gosto popular. A linguagem neutra (modismo que mal esconde um preconceito às avessas) implica, todavia, deturpação da língua oficial, tal como o léxico aprovado pela Academia Brasileira de Letras a expressa, ferindo, pois, a Constituição (art. 13, caput). Por outro lado, os estados membros têm competência concorrente para legislar sobre educação (Const., art. 24, IX), e, no caso, a lei federal, em tese prevalecente, não foi desrespeitada. Para repetir meu velho mestre Thomás Bernardino, que, certa feita, assim criticou uma decisão da nossa Suprema Corte, diria que o Supremo, aí, errou por unanimidade.