Em 11 de março de 1991 entrou em vigor a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), que trouxe arcabouço jurídico moderno e instrumentos eficazes de defesa do consumidor. Mas, passados 32 anos, os desrespeitos ao consumidor continuam a imperar no país. Apesar de grandes avanços na proteção e defesa do consumidor, os mais vulneráveis ou hipervulneráveis (idosos e pessoas com pouca informação etc) continuam a sofrer abusos em seus direitos.
Os maiores abusos que chegam aos órgãos de defesa do consumidor são oriundos das transações de empréstimos consignados para servidores públicos e para aposentados e pensionistas do INSS, onde bancos que exploram esse nicho do mercado financeiro usam de todos os artifícios para convencer o consumidor a realizar as operações. Por meio de correspondentes bancários, os bancos chegam a usar de informações enganosas para atrair pessoas desesperadas com as contas que não fecham, e muitas delas, com pouca ou nenhuma experiência nesse tipo de relação, acabam sendo levadas a contrair empréstimos consignados que impactam sua renda familiar.
Existe uma sanha no mercado, pois os correspondentes bancários precisam faturar comissões, bater metas e manter uma carteira rotativa e rentável para seus negócios e para os bancos, usando para isso de informações enganosas para cooptar os consumidores crédulos e que não têm a expertise de distinguir uma informação enganosa ou abusiva de uma verdadeira. Com isso, as pessoas mais carentes, especialmente aquelas que vivem com até dois salários mínimos, são as maiores vítimas e estão se endividando, o que vem gerando transtorno para toda a família e para a saúde física e mental dos endividados.
Nos órgãos de defesa do consumidor identificamos todos os dias pessoas que estão superendividadas, cujos percentuais ultrapassam 30% de todas as reclamações recebidas, pois além do desconto em folha de pagamento, acabam por contrair empréstimos pessoais não consignados no próprio banco onde mantêm relacionamento. Constata-se que esses consumidores contraem dívidas continuamente como forma de complementação da renda, o que os leva a uma ciranda financeira sem fim, que acaba por levá-los à insolvência total, sem condições de buscar novos empréstimos e sem renda para garantir o mínimo de subsistência.
O que se extrai dos casos é que as instituições financeiras são irresponsáveis na concessão do crédito, aliado ao fato de que a maioria dos consumidores não tem educação financeira para decidir sobre a vantagem e a desvantagem em contrair a dívida, não conseguem identificar um abuso e não têm a exata compreensão das cláusulas contratuais dos contratos de concessão de crédito. Muitas vezes ainda, os contratos são virtuais, casos em que o consumidor sequer tem conhecimento prévio das condições do negócio.
Verifica-se uma irresponsabilidade do Governo federal, que, com o propósito de permitir o acesso das pessoas com menor renda ao crédito, acaba por dar um salvo conduto aos bancos e demais instituições financeiras a operar no mercado de forma predatória, usando de todos os artifícios, alguns ilegais, para conquistar novos tomadores de empréstimos, numa verdadeira batalha para realizar a portabilidade de crédito.
Para tentar equilibrar a balança é preciso investir em educação para o consumo e educação financeira, de modo a capacitar os consumidores, especialmente os de menor renda e com pouca formação a se protegerem dos apelos do crédito fácil empreendidos pelo setor financeiro.
Todavia, é possível afirmar que a despeito dos desafios que obstaculizam a aplicação da lei, nosso Código de Defesa do Consumidor tem fervor suficiente para as demandas presentes e vindouras, sendo, passados 32 anos de sua vigência, instrumento de grande contribuição para a equidade nas relações de consumo.