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Uma segunda “Lei da Anistia”?

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Há quase quarenta anos, o general João Baptista de Oliveira Figueiredo fazia um pedido à nação brasileira numa entrevista concedida à extinta TV Manchete: que o esquecessem. Esse pedido revela um pouco mais do que pode parecer à primeira vista, porque é claro que a história cobraria os militares por todos os crimes e as arbitrariedades cometidos ao longo dos vinte e um anos de ditadura militar.

O Exército percebeu que o regime militar dava sinais de que já não estava bem das pernas há um tempo. Os assuntos relacionados à política começaram a emaranhar-se junto àqueles de interesse da própria instituição e oficiais eram deslocados de suas funções rotineiras na hierarquia militar para exercerem funções de polícia. Os dois grandes nomes que o leitor precisa manter em mente quando o assunto é a abertura política são Golbery do Couto e Silva – o estrategista detrás do plano – e Petrônio Portella – o senador que fazia as costuras no Congresso em nome dos militares, com bom trânsito entre os da oposição.

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O retorno à democracia foi lento, gradual e controlado a todo instante, com avanços e retrocessos. Lembremos do Pacote de Abril, de 13 de abril de 1977, por meio do qual o governo instituiu o cargo do senador biônico – aquele eleito sem o sufrágio universal -, adiou a eleição indireta ao cargo de governador e reforçou a bancada do próprio governo no Parlamento – que era do partido Arena-, por exemplo. Durante seu mandato, ao mesmo tempo que Geisel anistiara dezenas de pessoas e pusera fim ao arbitrário AI-5 – em dezembro de 1978 -, aprovara mais um ano para o próximo mandato presidencial – o do general mencionado na abertura do texto.

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Os militares saíram praticamente intocados, compromisso do próprio Tancredo Neves como candidato à Presidência depois que a aprovação da eleição direta, na forma da Emenda Dante de Oliveira, foi rejeitada. A Lei da Anistia é muito criticada justamente por, ao mesmo tempo que anistiou presos políticos, eximiu torturadores dos seus crimes. Não houve um processo de julgamento destes como em outros países da América do Sul que também passaram por governos ditatoriais.

Agora que terminamos o mandato presidencial mais conturbado e caótico, até pelo contexto internacional, da Nova República, devemos pensar em algumas questões. Há anistia àqueles que cometeram crimes de desinformação massiva sobre as vacinas e máscaras durante a maior e mais grave pandemia do século e, eventualmente, levaram pessoas à morte? Há perdão para aqueles que promoveram medicamentos que não tratavam a Covid-19 e, usados como foram, poderiam deixar sequelas ou levar, novamente, à morte? Devemos fazer o que com aqueles que intoxicaram o debate público com discursos de ódio e violência? E sobre aqueles que facilitaram o acesso às armas via desregulamentação e, portanto, fomentaram milícias quiçá políticas?

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Respondo-lhes: não, não deve haver anistia. Que a justiça seja feita! Não iremos esquecer, Figueiredo, a tortura, os crimes contra os indígenas postos no Relatório Figueiredo, a censura à imprensa e a repressão à cultura. Igualmente, não devemos esquecer Jair Bolsonaro, pois a história há de ser escrita e quem colaborou ou se omitiu há de ser punido.

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