Foi inquietante ler na edição de final de ano do Tribuna de Minas um rol de reportagem, incluindo o próprio editorial, tratando da aplicação da Inteligência Artificial (IA) nas áreas sociais, ambientais e econômicas. Vimos aplicações na política, chegando naquelas com implicações nas mudanças climáticas e, ainda, passando por segurança pública, indústria, educação, medicina, esporte e jornalismo. A pauta das perspectivas para 2024 daquela edição especial foi praticamente exclusiva, porém as apurações foram ampliadas e trouxeram os prós e os contras da inserção dessa tecnologia no cotidiano da sociedade. Não obstante, devemos ser justos com a tecnologia. Desde a primeira, por assim dizer, “a roda”, até a última versão de smartphone em nossas mãos, a tecnologia somente acelera aquilo que os humanos fazem. Se aplicamos para o bem ou para o mal, a tecnologia é vítima inocente do mesmo sapiens de outrora. Não é por outro motivo que textos milenares sobre as mazelas humanas, sejam de abordagem religiosa e filosófica, são tão contemporâneos, lamentavelmente, ainda.
Essa reflexão nos inspirou a tratar na forma de crônica ficcional, pelo menos por enquanto, de potencial aplicação da IA que passou ao largo das anteriores, a saber: psicologia! Para tanto, vamos trazer alguns elementos controversos do atual processo no tocante à relação dos humanos. No caso específico, entre paciente e terapeuta. Para contexto, vamos trazer os “Fundamentos do Psicodrama”, de Jacob Moreno, psicólogo que nos anos de 1950 propôs uma nova abordagem terapêutica em crítica evolucionista principalmente às Freudianas e Junguianas, até então dominantes de aplicação naquela época. Em apertada síntese, Jacob Moreno argumentou que o ambiente de troca de papéis num palco para a expressão de sentimentos do paciente pode ser mais espontâneo, intenso e autêntico do que a relação biunívoca entre o terapeuta e paciente sentados em cadeiras antagônicas ou na condição de submissão em um divã para o último. A questão controvertida que dou enlevo é a transferência que é definida pelo ato de que o paciente projeta sentimentos inconscientes ao terapeuta – e vice versa na contratransferência – podendo se afeiçoar ao terapeuta, transpassando a linha imaginária da passionalidade. Aliás, um entreato: foi esclarecedor encontrar em seu texto balizar um dos motivos pelos quais Freud abandonou o hipnotismo como técnica de liberar a fala anímica dos seus pacientes na busca da cura e propôs, em seu lugar, o divã distante: as situações passionais em que vivenciou com algumas pacientes, mas isso é tema para um outro tipo de crônica.
Eis aqui a especulação. Num vindouro próximo, com a evolução e os aprendizados dos algoritmos de IA, a possível relação de transferência seria afastada nos diálogos entre o paciente e seu psicólogo artificial? Essa artificialidade seria limitante para paciente ou, ao invés, libertadora ao sentir mais segurança emocional para se externalizar? A organização racional dos argumentos do “psicólogo artificial” seria mais eficaz e ágil do que as leituras de textos de autoajuda, pois irão trazer os contrapontos que os intérpretes dessas leituras – os próprios pacientes – não conseguiram perceber por si só? Quem sabe uma consulta ao ChatGPT? Decerto, alguma dramaturgia emanará. Experimente!