Das várias inovações trazidas pela recente Lei 13.964/2019, que aperfeiçoa a legislação penal e processual penal, é a que trata do juiz das garantias a que vem despertando maiores discussões. Cuida-se de uma figura processual que passará a atuar na esfera criminal antes da instauração da ação penal, propriamente, isto é, na fase da investigação criminal, que a antecede. Ficará o juiz das garantias responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário – conforme dispõe o art. 3º-B, introduzido pela referida Lei no Código de Processo Penal. Competirá a esse juiz – e não mais àquele que deverá atuar, subsequentemente no processo, presidindo à colheita de provas e dando a sentença final – determinar buscas e apreensões, prisão provisória ou cautelar, interceptações telefônicas, assim como apreciar habeas corpus e adotar outras medidas, durante a investigação criminal.
Há, com a criação do juiz das garantias, como a própria denominação dessa figura sugere, uma louvável preocupação da fazer prevalecer sobre eventuais restrições impostas à liberdade individual de quem não pode ser tido, ainda, como culpado, a proteção que a tutela constitucional dos direitos humanos lhe confere. Com isso, coíbem-se os abusos e assegura-se a observância do devido processo legal.
A questão está em saber se a criação dessa nova categoria acha-se em consonância com a nossa realidade e é uma prioridade do bom funcionamento da Justiça. Pensemos em soluções análogas, igualmente importantes para o aperfeiçoamento do sistema judicial, como, por exemplo, a que corresponderia à criação dos juízos coletivos de primeiro grau, destinados ao julgamento das ações cíveis mais complexas, que poderiam ser instituídos, entre nós, à semelhança do que acontece em muitos países europeus. Ora, embora ideal, essa fórmula é, sabidamente, inviável, no Brasil, por compreensíveis razões de ordem econômica. Com o juiz de garantias, dá-se mais ou menos o mesmo.
De qualquer modo, a lei aí está, e o que importa definir é como deverá ser implantado o sistema que ela prevê. Antes de tudo, em que prazo. A referida lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação, ou seja, a 23 de janeiro em curso.
Mas a figura do juiz das garantias só existe, por ora, no plano da legislação processual, não encontrando suporte, ainda, no âmbito da organização judiciária. Cumpre à União, aos estados e ao Distrito Federal inseri-la, nas respectivas leis, de forma a possibilitar a designação do magistrado que vá exercer as funções de juiz das garantias, como, aliás, passou a constar do Código de Processo Penal (art. 3º-E, introduzido pela Lei n. 13.964/2019). Isso mostra que os dispositivos legais correspondentes à nova figura requerem regulamentação, e é necessário fixar prazo para que essa regulamentação seja feita, sem o que não haverá como atribuir eficácia àqueles dispositivos.
Outra questão que surge é a de saber se o novo sistema se aplica às investigações criminais já iniciadas, nas quais outros juízes hajam intervindo. Sendo a competência do juiz das garantias uma competência absoluta (isto é, de interesse público), porque de natureza funcional, ela deve ser observada imediatamente; hão de ser respeitados, porém, os atos já praticados, sob o império da normatividade legal anterior.
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