A ideologia, como crença numa linha de pensamento capaz de orientar a realização do interesse coletivo, incorporou-se à doutrina política com o marxismo e passou a justificar o alinhamento político em posições antagônicas, à esquerda ou à direita, com o apogeu do comunismo na antiga União Soviética, de modo que, a partir do desaparecimento desta, seria de supor que a divisão dicotômica perdesse sentido. Norberto Bobbio, em livro publicado na última década do século XX, chegou a afirmar que a distinção entre esquerda e direita já não tinha “nenhuma razão para ser utilizada”. Não foi, porém, o que aconteceu, como o próprio jusfilósofo italiano se encarregou de mostrar, procurando definir em que consistiriam tais posições no mundo contemporâneo, no qual ainda seria possível dividir o espectro político, sob o aspecto ideológico, em quatro campos: o da extrema-esquerda, o da centro-esquerda, o da centro-direita e o da extrema-direita. A diferença entre esquerda e direita estaria, fundamentalmente, na maior ou menor tendência para a busca da igualdade de tratamento às pessoas, diferença que se acentua na medida em que tais posições se distanciam ou se extremam, encontrando, aí, porém, um ponto comum: a vocação autoritária para o exercício do poder. Creio correto acrescentar que o evoluir das duas tendências para os extremos é um caminho inevitável, que deriva da constatação de que o seu ideário só se pode realizar plenamente num regime dotado de meios de atuação diversos daqueles que a democracia liberal oferece. Nessa perspectiva é que avulta, portanto, o centro democrático, como único capaz de representar solução para os problemas políticos e de assegurar a paz social.
No Brasil, presentemente, o bolsonarismo é a expressão do pensamento de extrema-direita, enquanto o lulismo, ainda que não represente, em si mesmo, uma posição radical, acaba sendo um estuário para onde conflui a extrema-esquerda. O perfil populista dos líderes dessas duas tendências, a evidente dificuldade que tanto um quanto outro demonstra para aceitar as limitações impostas pelo regime democrático ou até mesmo a falta de uma noção exata do que constitui a essência da democracia, seja da parte de Bolsonaro (leniente com as manobras golpistas que visavam a mantê-lo no poder, para dizer o mínimo), seja da parte de Lula (para quem democracia é um conceito relativo e que não se peja de defender regimes autoritários), são fatores que revelam suas posições extremadas. Infelizmente, porém, não desponta, no panorama político, alguém que possa encarnar uma linha de centro liberal. O papel desempenhado em 1945 e em 1950 pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, em 1955 tanto por Juscelino quanto por Juarez Távora, em 1985 por Tancredo Neves, em 1998 por Fernando Henrique Cardoso ou, em outras ocasiões, por líderes que, sem se tornarem candidatos à presidência, estavam à altura dessa posição, representando o pensamento liberal (homens como Milton Campos, Otávio Mangabeira, Israel Pinheiro), não encontra, na atualidade, quem o encarne. Há, sem dúvida, uma carência de lideranças, entre nós, faltam homens e mulheres com vocação de estadista. E o quadro político é uma babel, que não favorece o advento de novos líderes, tal o artificialismo das agremiações partidárias, que hoje nada representam.
Urge uma completa reformulação da política, com vistas à formação de partidos autênticos, à adoção do voto distrital misto e à participação dos cidadãos na vida pública. A opinião pública deve ser incentivada a pugnar por essa reversão de expectativas, os jovens precisam ser persuadidos a engajar-se num movimento com esse objetivo. Livres das amarras tanto da esquerda quanto da direita.