Desde que estourou a crise, profunda e catastrófica para milhões de brasileiros, é comum encontrar por aí o discurso de que crise é oportunidade e que muito melhor poderá ser o Brasil pós-crise, etc. Tudo recheado com o slogan “na crise, crie”, tido como cereja do bolo motivacional para atrair levas de desempregados e outros segmentos da sociedade. Ora, verdade um tanto óbvia que na hora do aperto todo mundo tenta dar seu jeito. Ou quase todo mundo, porque há quem opte por “jogar a toalha”. O alto e crescente índice de suicídio no Brasil (cerca de 11.000/ano – Boletim Epidemiológico/Min. Saúde) está aí a gritar para quem quiser ouvir o quanto é falaciosa a ideia de que o brasileiro é “um povo pobre, mas feliz” e o quanto é preciso atentar para políticas públicas voltadas à questão do suicídio.
Ou seja, ainda que otimismo seja importante, jargões de autoajuda são não suficientes (felizmente) para escamotear a realidade: a crise torna o Brasil dez anos (no mínimo) mais atrasado do que já era em relação a países desenvolvidos ou “em desenvolvimento”. Não são somente milhões de desempregados, muitos à beira do vale-tudo por conta do desespero pela sobrevivência. Com seus filhos e suas filhas, todos engrossam as fileiras dos “sem acesso”. Sem acesso à educação, à saúde, a direitos básicos, porque a crise faz cessar a progressão dos investimentos necessários. Daí, não restam dúvidas, hão de aumentar os graves conflitos sociais de todas as espécies, que vão desde as assustadoras guerras de facções a índices aparentemente descolados da crise, como o aumento de divórcios (IBGE-2016). Afinal, diz o ditado popular, “na casa onde falta o pão, todo mundo briga, e ninguém tem razão”.
Mas, diante do quadro catastrófico, quais as saídas? Novamente surgem de todos os espectros sociais os mais diversos jargões e discursos de que é preciso “repactuar a nação”, “refundar a República” ou que é preciso um “grande projeto nacional”. No entanto, não seriam tais discursos meros instrumentos a legitimar projetos de poder? Os discursos não escondem aquilo que de fato se passa, não por detrás do palco, mas em praça pública: a disputa de poder, pela hegemonia, pelo controle, pela dominação? Ao que parece e como demonstra o historiador Yuval Noah Harari, em seu best-seller “Sapiens – uma breve história da humanidade”, tais discursos, de uma forma ou de outra, tentam tão somente obter a cooperação da maioria, uma rede de cooperação “concebida para a opressão e a exploração” por uma minoria, nada mais que isso. Simples assim.
Mas então não haverá saída melhor e para além da mera adesão a um dos discursos presentes e em disputa por hegemonia?
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