Frequentemente, a imprensa ironiza a linguagem jurídica, valendo-se para tanto de um neologismo já consagrado: o juridiquês. Não só o jargão forense (isto é, o estilo rebuscado de petições e sentenças) mas até mesmo a terminologia adotada pelo Direito são alvos de crítica. Se, no primeiro caso, os reparos em geral procedem, porque têm em vista, quase sempre, um estilo de mau gosto, no segundo, apenas revelam a incompreensão do fato de que o Direito é uma ciência milenar, que, assim como a biologia ou a anatomia, conta com um vocabulário técnico para ser preciso em suas definições. É o caso, por exemplo, da palavra “dolo”, com que o Direito Penal indica o ânimo ou a intenção direcionada à prática de um crime. Pelo vezo de desdenhar da terminologia jurídica, repórteres da TV costumam ignorar a pronúncia correta do termo, insistindo em pronunciá-lo com o primeiro “o” fechado, como se fosse “dôlo”. Isso mostra desinformação e descuido, que deixam mal os departamentos de jornalismo das TVs. Aliás, seria bom se estas considerassem a conveniência de ter uma assessoria jurídica em suas atividades, a fim de evitar certos erros que comprometem a informação.
Outro dia, no noticiário matinal da principal estação de TV, um repórter habituado à ênfase exagerada nas notícias achou de censurar o procedimento do advogado que atua em rumoroso caso – o do assassinato de um ambulante no metrô de São Paulo -, porque o defensor dos criminosos, demonstrando saber o lugar em que esses se encontravam, dissera que seus clientes, por ora, não se apresentariam à polícia. Comentando o fato, o referido jornalista indagou se o advogado também não deveria ser preso, como se, por saber do paradeiro dos clientes, lhe coubesse entregá-los à polícia. A ignorância do papel do advogado e do alcance da garantia constitucional da defesa revelou-se, aí, de forma grosseira. O repórter quis dar uma lição de ética sem ter a mínima noção do comportamento adequado ao profissional nas circunstâncias. A OAB, pela Seccional de São Paulo, protestou contra a aleivosia – mas a emissora, ao que consta, não se penitenciou do erro.
A caricatura que a imprensa, não raro, faz do defensor de acusados, em processos de grande repercussão, como se ele, por cumprir o dever profissional, estivesse colaborando com o crime, é, no fundo, uma forma de insinuar que seria preferível, para acelerar o andamento dos processos, dispensar certas formalidades processuais ou limitar a atuação do advogado. Em vez da justiça, o justiçamento… Isso é tão perigoso quanto o reverso da medalha, isto é, a tendência que se nota, em processos que envolvem conhecidos políticos, de querer transformar o caso concreto numa questão institucional, apresentando-se o acusado como vítima de uma conspiração da imprensa, do Ministério Público e da Justiça. Modus in rebus, dir-se-ia invocando-se conhecido adágio que há de causar horror aos críticos do juridiquês – moderação nas coisas ou naquilo que se afirma…