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Olho eletrônico, justiça e alegria futebolística

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Começo evocando Gilberto Gil: “Cérebro eletrônico nenhum me dá consolo em meu caminho inevitável para a morte”. O VAR é o “olho eletrônico” do juiz. Preciso e implacável, promete extirpar o erro no julgamento. Meu professor de hermenêutica (a ciência da interpretação) alertou, no entanto, que nem a precisão do VAR é garantia absoluta da justa avaliação do lance, dadas as múltiplas variáveis presentes em cada jogada: a bola resvala, vai e vem, toca aqui e ali, os jogadores se deslocam, caem, se esbarram…

A palavra “vídeo”, do latim, é a conjugação em primeira pessoa, tempo presente, do verbo “ver” no singular: EU VEJO. Ou seja: o “olho eletrônico” é frio, não sente, não pensa, não intui, somente vê e mostra. O que vê, enquanto ser humano, o juiz? O juiz vê, avalia, julga e, eventualmente, ERRA. O erro: este apanágio da humanidade! Por isso, ouso vaticinar: o VAR, com sua assepsia tecnológica, desumaniza o futebol.

Os juízes vocacionados, que trabalham para aprimorar seu olhar de águia, podem se desencumbir do ofício: o VAR tudo vê. O VAR coroa os juízes medíocres. A justiça, neste caso, deveria ser buscada no aprimoramento do olhar e do desempenho humano, mesmo passível de erro, e não apelando para a muleta tecnológica. O erro da arbitragem é um drama inerente ao espetáculo shakespeariano futebolístico, diria Nelson Rodrigues. Quero poder louvar os grandes juízes que erram pouco, ou quase não erram. Quero meu direito de xingar o juiz ladrão que vacilou.

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Em breve teremos aplicativos com esquemas táticos infalíveis, para auxiliar os técnicos. Ou pernas mecânicas cibernéticas que tornarão mais eficaz o passe do craque. Mas eu quero escalar meu time no botequim, contrariando aquele técnico burro. Quero pedir a saída daquele craque “cai cai” que não está rendendo. Não estou aqui defendendo o erro e a consequente injustiça. Estou defendendo o drama que gera revolta e indignação, mas também alegria, êxtase e catarse, com seus humanos atores.

Me comoveu o semblante dos jogadores brasileiros, frustrados com a anulação consecutiva de dois gols, no jogo entre Brasil e Venezuela pela Copa América. Me comoveu o jogador se lamentando: “Nem se pode mais comemorar um gol”. O VAR inaugura uma espécie de “coito interrompido” no futebol. Sou videomaker e detesto ver meu instrumento de trabalho sendo usado para tornar nossa paixão nacional mais burocrática e enfadonha. Que a justiça se faça pelo olhar humano que a persiga com honestidade e abnegação, sem detrimento do espetáculo e da alegria.

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