A democracia brasileira foi um aborto. A consciência de nação foi um sentimento prematuro e tardio, que só aportou por aqui no acaso acovardado da vinda da família imperial portuguesa fugindo do exército flagelado e em frangalhos de Napoleão, em 1808. Desde então, o Brasil, quase nação, viveu ao sabor dos ventos, sem caminho próprio, sem a autodeterminação de seu povo. E 1822 foi uma versão heroica da pueril sacada mais que nunca atual do “vai que cola”. E o negócio de família colou, o Império decolou até encontrar um marechal em delírio febril que negou seus ideais, fazendo o fim do Império no Brasil. É cômico e trágico, bem ao modo de nossa gente.
Tudo na democracia brasileira foi fruto do acaso, das ideias de apaniguados, sempre visando ao benefício próprio. Vargas, em 1930, 1935 e 1954, foi a encarnação da tragédia brasileira, uma encenação do tosco “ganhar, mas não levar”. Assim foi, assim tem sido, assim é!
Em 1930, a marcha cívica trazida pelo minuano não durou dois anos, e a cizânia justificou a truculência de um governo de poucas leis e sem eleições. Depois de 1932 e o auge da divisão ideológica da federação, a Intentona Comunista apenas serviu de pretexto para o acirramento dos ânimos e a implantação do intransigente Estado Novo. A ditadura ganhou novo fôlego, quando a perseguição se fez carne. Em 1954, segundo Governo Vargas, já com a volta do poder ao povo por meio do voto e a consciência de nação ganhando corpo, encenou-se em sangue o que se passava nos escaninhos democráticos do poder: o suicídio das leis e dos direitos trabalhistas. Com Vargas morto, 1961 ou 1964 já teria “jurisprudência” e cenários perfeitos para nova encenação. E assim foi. E assim tudo se passou e passa nessa devassada democracia tupiniquim, mistura de interesses e interessados.
Pela fresta do tempo, a compra de partidos e deputados federais pelo Ibad na década de 1960 deu a senha do modus operandi do poder intervencionista norte-americano nesta terra tão gentil. Era o começo do Golpe de 1964.
No último século, o Brasil teve cinco décadas pisadas pela ditadura – 1930, 1940, 1960, 1970 e 1980 -, enquanto a liberdade era desfigurada em todos os cantos do país. Um atestado para uma nação desprovida de solidez, clareza de ideias, de homens, ideais e história.
A nossa democracia é um aborto. As ditaduras não, são gestadas, em óvulo fecundado pelos Estados Unidos da América. Esse óvulo produziu um filho gordo, que fez desde 1964 – com surpreendente êxito – o aniquilamento do nacionalismo brasileiro, com nacionalistas de direita e esquerda se matando simultaneamente. Um feito, penso até que um crime perfeito.
Nós nunca fomos capazes de perceber os processos em que estávamos inseridos, até hoje. O que dói é constatar que sempre lutamos contra nós mesmos, contra nossos direitos, contra nossos interesses. Nossa subserviência é tão arraigada que nos passa despercebida. Estamos sempre indo em frente, mesmo constrangidos, batendo as panelas para o estrangeiro que canta e dança diante da torpe sinfonia sobre nossa pobre consciência cívica. Triste pátria mãe servil. Enquanto isso, enquanto acreditamos lavar a política nacional, é o Brasil que vai pelo ralo.
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