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PEC da prepotência

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Em tempos de intensa polarização e ausência de análise crítica, propostas como a PEC 241, que atingem setores substanciais da vida pública, são um barril de pólvora. O projeto, que prevê a limitação por duas décadas do aumento de despesas do Governo federal ao índice de inflação do ano anterior, é a razão da histeria coletiva do momento. Enquanto os agentes favoráveis à mudança mantêm o discurso de que a proposta é a única salvação da economia nacional, seus opositores a apelidaram de “PEC da morte”. Obviamente, ambas as narrativas são rasas.

O Governo Temer, guiado por seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, argumenta que a situação das contas públicas é insustentável. Disso ninguém duvida. Segundo o Relatório de Mercado Focus, divulgado no dia 17 deste mês, apesar de leve queda na previsão da inflação para 2016, o PIB brasileiro deve sofrer retração de 3,19% no ano. O panorama assusta ainda mais ao vermos que a dívida bruta do Governo federal atingiu R$ 4,2 trilhões em agosto, e concluímos que alguém precisa pagar por esse montante.

Dentre os setores primordiais do cotidiano que terão os investimentos congelados está a saúde. Aí se encontra uma falha grave da PEC 241. De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina junto à ONG Contas Abertas, o Estado investiu em 2014 aproximadamente R$ 1.420 por cidadão, um valor consideravelmente abaixo do de nações europeias que nos servem de modelo. Caso aprovada a proposta, esse total será ainda menor.

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As projeções do IBGE indicam que a população brasileira estará próxima dos 219,5 milhões de habitantes em 2026 – ano a partir do qual poderá ser revisada a PEC. Este número representa cerca de 17 milhões de pessoas a mais que em 2014, o que obrigatoriamente causará redução nos gastos per capita na saúde. Para piorar: passada a janela demográfica, a pirâmide etária tende a crescer na faixa dos idosos, grupo que exige maiores gastos com saúde. E, partindo dos pressupostos de que os aportes seguirão a taxa de inflação e de que o Governo buscará a mais baixa inflação possível, a queda é inevitável. A lógica se encaixa em outros setores, como a educação, que seguirá atendendo largo contingente populacional.

A necessidade de congelar gastos em busca de redução de juros e inflação e retomada do crescimento é um discurso seguro e até mesmo esperado por parte de Meirelles e Temer. Porém, ele se torna inconsistente ao não buscar alteração nas despesas com o gigantesco e oneroso funcionalismo público nacional. Segundo estudo do IPEA, nos últimos 13 anos – período correspondente aos dois mandatos de Lula e ao trágico Governo Dilma – , o salário dos servidores cresceu em média três vezes mais que o dos trabalhadores da iniciativa privada e 33% acima da inflação. Tudo isso, claro, à custa da verba paga pela população. A esperança é a tão falada Reforma da Previdência, que tende a vir após a aprovação da PEC 241. Ainda assim, é pouco.

A estratégia é arriscada para um governo que, apesar de legítimo e respaldado pela Constituição, não é legitimado por grande parte da população. Mais que isso: para um homem que afirma não ter interesse pela reeleição e deixará seu cargo em 2018, assumir que sua proposta é o caminho da salvação nacional pelos próximos 20 anos é uma demonstração imensurável de prepotência. Em tempos fugazes de mercados voláteis e instabilidade política e social, grandes erros demoram a ter seus efeitos corrigidos e cobram a conta cada vez mais rapidamente. E você sabe quem vai pagar.

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