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Direito horizontal na democracia

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Demo kratos é uma sociedade organizada de forma que o poder é compartilhado pelo povo. De fato, a verticalidade na organização dos poderes no Brasil – Legislativo, Executivo, Judiciário e o quarto grande poder: a mídia – não está preparada para a demanda que vem de uma outra esfera: a internet. Pretensamente horizontal, é um espaço em que qualquer atrocidade cotidiana (que geralmente passaria em branco) é deflagrada, denunciada, anunciada. A forma de lidar com isso, de acordo com o poder convencional, era prender em flagrante dezenas de jovens que participavam de manifestações, acusar de pelo menos uma dezena de crimes, e, dessa forma, fazer com que os mesmos passassem alguns dias em delegacias de polícia (ou mesmo serem levados a presídios convencionais). Assim que todos os amigos ficassem sabendo, e os amigos dos amigos, e os amigos dos amigos dos amigos, as manifestações iam enfraquecendo até chegar num ponto nulo.

Um dos tantos traços da maneira com que o poder lidou com o povo em São Paulo foi esse, e eu mesmo acompanhei um destes casos. O que mudou no Rio de Janeiro? Uma organização horizontal, denominada Advogados Ativistas, estimulou e atuou em conjunto com advogados da OAB para fazer plantão em frente às delegacias de polícia e prevenir que aberrações jurídicas incrementassem, de forma proposital, o inquérito policial e fizessem com que jovens estudantes passassem alguns dias nos porões de penitenciárias que remetem a verdadeiros filmes de terror.

O filósofo Emmanuel Levinas dizia que o imperativo não matarás se dá quando entramos em contato com o rosto do outro. É a face do outro que me remete ao humanismo mais profundo, que proíbe a barbárie. A barbárie nasce quando reduzimos o outro a um vulto, um sem rosto, uma sombra; quando dizemos abaixe a cabeça ou não olhe para mim, prática tão comum no militarismo, nos antigos tribunais, nas batidas policiais. O olhar do outro apavora porque encontra o que é de mais humano em mim.

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Hegel dizia que a nossa proteção contra a tirania é a ordem da razão externa, a lei impessoal, o direito. Uma vez escrito, ao não acompanhar a vontade viva, também se torna coercitivo, mas ainda assim é a melhor forma para lidarmos com a barbárie. Será que estamos nos deparando com a transformação da própria lei sedimentada? Estamos diante de um momento em que os operadores da lei impessoal estão agindo como representações diretas de um ideal de lei?

Organizações horizontais, pois não parecem precisar mais de um líder, de uma figura paternalista, de uma instituição de poder, que é inerente e sustenta, num viés foucaultiano, o discurso coercitivo. Pelo contrário, parece que entenderam que, num país com mais ou menos 60 mil homicídios anuais, pelo menos 15 milhões de esfomeados (que não comerão o mínimo de calorias recomendadas para um adulto até o final do dia), a teia discursiva mantenedora dessa ordem, desses poderes (que são instituídos tanto pelo governador quanto pelo motorista), estão se rasgando. Não é à toa que transformação contém ação na palavra.

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