O desabafo da ministra Cármen Lúcia numa discussão em torno da prisão em segunda instância, prevista para entrar na pauta do Supremo Tribunal Federal em data ainda a ser marcada, é emblemático. Segundo ela, pautar o tema por conta da situação do ex-presidente Lula – condenado pelo colegiado do TRF-4 – seria apequenar o STF, lembrando, ainda, que não tem pretensão de discutir a matéria no curto prazo. Como tem mandato até setembro, ela pode gerenciar sua agenda de acordo com suas conveniências. Mas o que a ministra disse é uma máxima da Justiça que trata da impessoalidade. A lei não é feita para esse ou aquele personagem, embora algumas tenham gênesis em ações próprias de determinadas pessoas, como é o caso da Maria da Penha, que só foi aprovada pelo Congresso após uma longa peregrinação da enfermeira Maria da Penha, vítima constante de agressões de seu marido. A lei ganhou o seu nome, mas não foi feita apenas para ela. Ao contrário, tornou-se um importante instrumento de combate à violência caseira, que até então era tratada em outros artigos do Código Penal sem ser específica para esse tipo de crime.
Desde a sua implementação, a prisão em segunda instância tem dividido opiniões. Há os que a consideram um importante instrumento de combate à impunidade, pois tira espaço para os recursos protelatórios utilizados por bancas patrocinadas, principalmente, pelo andar de cima. Eles podem até ser impetrados, mas o paciente espera o resultado atrás das grades, algo impensável até bem pouco tempo. Mas há defensores de subir um degrau nessa decisão, isto é, em vez da segunda instância, a prisão ser automática somente a partir de sentença dos tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça, e não os tribunais regionais estaduais ou federais.
Essa mudança, que tem respaldo de alguns ministros do Supremo, embora distante da impessoalidade, soa como um benefício aos que mais podem, pois a maioria dos apenados na primeira e na segunda instâncias não tem meios de tocar ações em tribunais superiores diante dos custos arcados pelo autor. Os defensores entendem ser a forma mais segura de se fazer justiça, mas trata-se de um argumento frágil diante dos resultados da segunda instância, que equilibrou o jogo, colocando no cárcere personagens que durante anos infringiram a lei e que, por força dos recursos, passaram a vida inteira sem serem privados da liberdade. O caso mais emblemático é do deputado Paulo Maluf, ora abrigado na Penitenciária da Papuda, em Brasília, que desde o século passado está condenado, sem pagar o que deve à Justiça.